Cultura

Içá? Quiçá

No Vale do Paraíba, em São Paulo, restaurante serve há 30 anos saborosa farofa com a famosa formiga

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Boas notícias para começar o ano: recebi do senhor Ocílio Ferraz um saboroso e-mail no qual ele me apresenta um pouco da arte que pratica em seu restaurante, que leva o seu nome e está localizado em Silveiras, pouco mais de 200 quilômetros de São Paulo (www.restaurantedoocilio.com.br).

Sendo ele um vale-paraibano, aprendeu desde cedo que a formiga içá é uma iguaria que merece respeito e consideração de qualquer um que aprecie boa comida. Diz-­me Ocílio que há 30 anos prepara e serve, sempre no almoço, a sua farofa de içá.

Eu não sabia disso. E aposto que nem a revista inglesa The Restaurant, que anda atrás de preparadores de formigas.

Ocílio não deve dispor das poderosas assessorias de imprensa e, pelo tom da prosa, ainda que breve, por certo prefere ficar em sua fazenda e receber os que passam com boa comida e até com proveitosas lições de gastronomia em sua Cozinha Pedagógica. Ocílio é titular da Cadeira 17 na Academia Brasileira de Gastronomia.

E mais uma que eu não sabia: um longo artigo foi publicado no  New York Times em janeiro de 2011. Nele Ocílio alerta que o uso descontrolado de agrotóxicos poderá simplesmente acabar com as içás. Não conversamos sobre isso, mas creio que os recentes movimentos pró-formigas devem ajudar a cidade de Silveiras a vencer a luta contra os venenos ou conseguir que as pessoas entendam a importância da içá para a cidade, região e, claro, para o País.

No momento em que as formigas conseguem um lugar de destaque seria irônico vê-las morrerem envenenadas.

Prometi que por lá passarei este ano e vou torcer muito para que minhas expectativas sejam, pelo menos, atendidas.

Isso é sério. Já foi assunto dessa página a tristeza que sinto/sentimos, quando entramos em um restaurante cheios de alegria, apetite e fé. É até comum que a gente releve uma bobagenzinha aqui, um deslize acolá. Guimarães Rosa sabiamente colocou na boca de um de seus narradores a frase: “O trágico nunca vem a conta-gotas”. E assim costuma ser. E assim foi nesse fim de ano em um restaurante no qual sempre entro com toda essa condescendência e entusiasmo. É o Peixada do Lago, que fica na beira de uma estrada que liga  Pedreira a Amparo, passando pela pequena Arcadas. Um local onde como o melhor pintado na brasa. Um local onde comia uma das melhores lulas à doré.

As lulas estavam gigantes. Cuidado amigo/a leitor/a com esses parentes distantes daquele monstro que tentou afundar o Nautilus. Grandes e geralmente nada tenras. Mudaram o fornecedor, aposto. Alguém achou que a apresentação ficaria mais bonita, mais vistosa. Tive de comê-las com garfo e faca. Na dentada não obtive sucesso. Pedimos o pintado que, pela primeira vez, chegou seco. Não desanimei e voltei dois dias depois. Lulas não mais.

Além do pintado arrisquei matar uma saudade: camarões à grega. Minha filha nunca havia comido e eu contei que era um prato que dava certa mão de obra: os camarões eram colocados em um espetinho, com um pedaço de mussarela e empanados com ovo, farinha de trigo e de rosca. Depois eram fritos em abundante óleo.

O que me foi servido era uma fileira de camarões médios/pequenos coberta por uma casca à milanesa que em nada aderia e, sobre essa, um mundo de queijo derretido que chegou à mesa naquele ponto de cortar com faca. E o pintado, mais uma vez, veio sem a suculência de outrora. Demoramos para comentar. O local merecia crédito. Estávamos entristecidos.

Saímos de lá em silêncio e após alguns quilômetros minha mulher disse: “Caiu a qualidade, né?” Fim de ano, casa cheia, pessoas cansadas… quem sabe em 2013.

Antes de fechar, uma indignação: restaurantes que decidiram abolir as boas cervejas tipo Serramalte, Original, Brahma Extra e apresentar  cardápio de cervejas especiais que partem de 20 mangos a garrafa. Tô fora e vou além: Veta, Dilma!

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