Cultura

Gonzagão: uma história de raça, da lágrima e do suor

A trajetória de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião que usou a música para unir o Sul ao Norte do Brasil

Luiz Gonzaga, o Rei do Baião
Apoie Siga-nos no

Segundo filho de Januário José, lendário “tocador” da região da Serra do Araripe (PE), pai de Gonzaguinha, poeta da resistência, Luiz Gonzaga do Nascimento completaria cem anos nesta quinta-feira 13. Criador e Rei do Baião, o sanfoneiro pernambucano morreu em 1989 no Recife. Mas o “Lua” é aquele tipo de gente que não morre e, no ano do seu centenário, sobraram homenagens do povo brasileiro em sua memória.

Cabra macho da cidade de Exu, lavrador, retirante, oficial do exército, artista de rua, músico popular de sucesso, agitador cultural. Gonzaga foi tudo isso. Cresceu na lavoura, ao lado pai. Admirava Lampião, tinha fé em “Padim Ciço”. Orgulhava-se em lembrar da fama de “Januário Velho” no Araripe: “Nunca houve quem lhe sentasse a cangalha no fole de oito baixo”. Herdou o dom e aos oito anos já recebia “a paga” depois das festas. Em suas veias corria a cultura e o sangue quente do povo do norte. Seu fole queimava em brasa, fogo e sonho do sertão.

Pobre e mulato, fugiu de casa com a coragem e a cara no final dos anos 20. Um relacionamento com a filha branca de um “rico coroné” colocara sua vida em risco. “O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado”, alerta o jagunço Riobaldo Tartarana em Grande sertão: veredas. Gonzaga sabia. Preferiu evitar a desgraça.

Dormiu um tempo nas ruas de Fortaleza (CE). Alistou-se no Exército em busca de teto e comida. Viu de perto a revolução dos tenentes e as agitações dos anos 30. Não deu nenhum tiro, tampouco destacou-se pelo posicionamento político. Disparava notas musicais de corneta na banda da tropa. Na caserna ficou conhecido como “Bico de Aço”. “Home, é verdade. Eu participei de cinco revoluções: 30 e 32. Aí veio a de 34, a Integralista e a Intentona Comunista. Então foram revoluções como o diabo, viu?”, contou a Júlio Lerner no programa Proposta da TV Cultura exibido em 1972.

 

Saiu do Exército no final da conturbada década. Deu baixa e desembarcou na Guanabara. Começou a entrar para a história da música popular brasileira no começo dos anos 40. Artista de rua, tentou a sorte com ritmos famosos da época. Mas era com o “forró de pé de serra” que chamava atenção nos botequins e esquinas da Lapa e de outros redutos boêmios.

Na noite carioca conheceu a mãe de Gonzaguinha. Cantora e dançarina, Odaléia Guedes morreu de tuberculose ainda jovem. Luiz nunca soube de fato se era o pai de Luizinho. Mesmo assim assumiu o filho, com quem manteve uma relação conflituosa durante toda a vida. As sucessivas turnês o afastaram do garoto, criado no morro de São Carlos pelos padrinhos: Xavier e Dina. Vítima de um acidente de carro, Luiz Gonzaga do Nascimento Junior faleceu no Paraná em 1991. Tinha apenas 45 anos e era um dos principais expoentes da geração de artistas que combateu o regime militar com papel, caneta e violão.

Bem antes, na década de 40, o Rio abria o fole de Gonzaga e o “Brasil do sul” descobriu o Baião durante o programa de calouros de Ary Barroso. O samba parou – pelo menos por três minutos – para ouvir o floreio da sanfona. “Baião é música pra gente que trabalha, pra gente de bem. É para ser tocado nas fábricas, nos quartéis, escolas, ruas e praças. Baião é raça, é lágrima, é suor”, dizia Lua.

O ritmo era envolvente, dançante. As letras descreviam a estética dos povoados encravados nos “pés de serra” do sertão nordestino e narravam os causos, o cotidiano, as tristezas e alegrias de seus habitantes. Os sertanejos ganharam um porta-voz e o povo da cidade grande passou a saber, entre outras coisas, que na terra seca quando a safra não é boa, o sabiá não entoa.

Coincidência histórica, as rádios e Gonzaga chegaram juntos ao auge. Ele trabalhou em três como artista contratado: Rádio Clube do Brasil, Rádio Tamoio e Rádio Nacional. Compôs clássicos em parceria com Miguel Lima, Humberto Teixeira e Zé Dantas.

Entre os principais sucessos dos discos que gastavam de tocar nas vitrolas da época, destaque para Chamego, Dezessete e setecentos, Baião e Asa Branca. Mais ou menos nessa época, casou-se com Helena das Neves e a ela confiou o gerenciamento de sua carreira.

Na década de 50 vieram os anos dourados. Junto com eles, muito sucesso e dinheiro no bolso do recém-coroado Rei do Baião. As turnês rasgavam as estradas brasileiras e chegavam aos quatro cantos do país. Algumas de suas canções – Asa Branca principalmente – rodavam o mundo.

Nas décadas seguintes, o forró deixou de ser novidade. Os discos venderam menos. A grana encurtou. Mas Gonzaga não perdeu popularidade. Garantia o sustento da família cantando para um público fiel: a população do nordeste. Fosse em cidade grande ou pequena, para muita ou pouca gente, lá estava o sanfoneiro.

Em  1980, o fole de Gonzaga voltou à cena. Com o filho como parceiro de palco, rodou o país em um show batizado de “Vida de Viajante”. O espetáculo fez sucesso e rendeu um disco duplo, gravado ao vivo. Depois de uma vida inteira de conflitos, pai e filho estavam juntos, unidos.

Luiz Gonzaga encerrou sua carreira com passagens por países da Europa. Depois de andar por praticamente todo o Brasil e ver sua obra ser reconhecida internacionalmente, era hora de descansar feliz. O Reio do Baião partiu em 2 de agosto de 1989. Morreu no Hospital Santa Joana, situado na região central da capital pernambucana, em razão de complicações causadas por uma impiedosa osteoporose. Das recordações das terras por que passou ficaram aproximadamente 500 canções distribuídas em 56 álbuns.

Segundo filho de Januário José, lendário “tocador” da região da Serra do Araripe (PE), pai de Gonzaguinha, poeta da resistência, Luiz Gonzaga do Nascimento completaria cem anos nesta quinta-feira 13. Criador e Rei do Baião, o sanfoneiro pernambucano morreu em 1989 no Recife. Mas o “Lua” é aquele tipo de gente que não morre e, no ano do seu centenário, sobraram homenagens do povo brasileiro em sua memória.

Cabra macho da cidade de Exu, lavrador, retirante, oficial do exército, artista de rua, músico popular de sucesso, agitador cultural. Gonzaga foi tudo isso. Cresceu na lavoura, ao lado pai. Admirava Lampião, tinha fé em “Padim Ciço”. Orgulhava-se em lembrar da fama de “Januário Velho” no Araripe: “Nunca houve quem lhe sentasse a cangalha no fole de oito baixo”. Herdou o dom e aos oito anos já recebia “a paga” depois das festas. Em suas veias corria a cultura e o sangue quente do povo do norte. Seu fole queimava em brasa, fogo e sonho do sertão.

Pobre e mulato, fugiu de casa com a coragem e a cara no final dos anos 20. Um relacionamento com a filha branca de um “rico coroné” colocara sua vida em risco. “O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado”, alerta o jagunço Riobaldo Tartarana em Grande sertão: veredas. Gonzaga sabia. Preferiu evitar a desgraça.

Dormiu um tempo nas ruas de Fortaleza (CE). Alistou-se no Exército em busca de teto e comida. Viu de perto a revolução dos tenentes e as agitações dos anos 30. Não deu nenhum tiro, tampouco destacou-se pelo posicionamento político. Disparava notas musicais de corneta na banda da tropa. Na caserna ficou conhecido como “Bico de Aço”. “Home, é verdade. Eu participei de cinco revoluções: 30 e 32. Aí veio a de 34, a Integralista e a Intentona Comunista. Então foram revoluções como o diabo, viu?”, contou a Júlio Lerner no programa Proposta da TV Cultura exibido em 1972.

 

Saiu do Exército no final da conturbada década. Deu baixa e desembarcou na Guanabara. Começou a entrar para a história da música popular brasileira no começo dos anos 40. Artista de rua, tentou a sorte com ritmos famosos da época. Mas era com o “forró de pé de serra” que chamava atenção nos botequins e esquinas da Lapa e de outros redutos boêmios.

Na noite carioca conheceu a mãe de Gonzaguinha. Cantora e dançarina, Odaléia Guedes morreu de tuberculose ainda jovem. Luiz nunca soube de fato se era o pai de Luizinho. Mesmo assim assumiu o filho, com quem manteve uma relação conflituosa durante toda a vida. As sucessivas turnês o afastaram do garoto, criado no morro de São Carlos pelos padrinhos: Xavier e Dina. Vítima de um acidente de carro, Luiz Gonzaga do Nascimento Junior faleceu no Paraná em 1991. Tinha apenas 45 anos e era um dos principais expoentes da geração de artistas que combateu o regime militar com papel, caneta e violão.

Bem antes, na década de 40, o Rio abria o fole de Gonzaga e o “Brasil do sul” descobriu o Baião durante o programa de calouros de Ary Barroso. O samba parou – pelo menos por três minutos – para ouvir o floreio da sanfona. “Baião é música pra gente que trabalha, pra gente de bem. É para ser tocado nas fábricas, nos quartéis, escolas, ruas e praças. Baião é raça, é lágrima, é suor”, dizia Lua.

O ritmo era envolvente, dançante. As letras descreviam a estética dos povoados encravados nos “pés de serra” do sertão nordestino e narravam os causos, o cotidiano, as tristezas e alegrias de seus habitantes. Os sertanejos ganharam um porta-voz e o povo da cidade grande passou a saber, entre outras coisas, que na terra seca quando a safra não é boa, o sabiá não entoa.

Coincidência histórica, as rádios e Gonzaga chegaram juntos ao auge. Ele trabalhou em três como artista contratado: Rádio Clube do Brasil, Rádio Tamoio e Rádio Nacional. Compôs clássicos em parceria com Miguel Lima, Humberto Teixeira e Zé Dantas.

Entre os principais sucessos dos discos que gastavam de tocar nas vitrolas da época, destaque para Chamego, Dezessete e setecentos, Baião e Asa Branca. Mais ou menos nessa época, casou-se com Helena das Neves e a ela confiou o gerenciamento de sua carreira.

Na década de 50 vieram os anos dourados. Junto com eles, muito sucesso e dinheiro no bolso do recém-coroado Rei do Baião. As turnês rasgavam as estradas brasileiras e chegavam aos quatro cantos do país. Algumas de suas canções – Asa Branca principalmente – rodavam o mundo.

Nas décadas seguintes, o forró deixou de ser novidade. Os discos venderam menos. A grana encurtou. Mas Gonzaga não perdeu popularidade. Garantia o sustento da família cantando para um público fiel: a população do nordeste. Fosse em cidade grande ou pequena, para muita ou pouca gente, lá estava o sanfoneiro.

Em  1980, o fole de Gonzaga voltou à cena. Com o filho como parceiro de palco, rodou o país em um show batizado de “Vida de Viajante”. O espetáculo fez sucesso e rendeu um disco duplo, gravado ao vivo. Depois de uma vida inteira de conflitos, pai e filho estavam juntos, unidos.

Luiz Gonzaga encerrou sua carreira com passagens por países da Europa. Depois de andar por praticamente todo o Brasil e ver sua obra ser reconhecida internacionalmente, era hora de descansar feliz. O Reio do Baião partiu em 2 de agosto de 1989. Morreu no Hospital Santa Joana, situado na região central da capital pernambucana, em razão de complicações causadas por uma impiedosa osteoporose. Das recordações das terras por que passou ficaram aproximadamente 500 canções distribuídas em 56 álbuns.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo