Cultura

Dexter: liberdade na condicional

Após 12 anos de cadeia, um dos rappers mais talentosos de sua geração cria projeto para ajudar detentos. “Jamais serei livre enquanto um de meus irmãos sofrerem na prisão”, diz

"O que se vive na cadeia é um ciclo vicioso. O hip hop salvou minha vida", diz o rapper Dexter
Apoie Siga-nos no

Por Lucas Conejero

Marcos Fernandes de Omena é mais um de sua geração que começou a fazer rap ainda garoto, depois de escutar Racionais. Nascido há 38 anos e criado sob as privações da periferia da Grande São Paulo, encontrou no ritmo uma válvula de escape para externar sua inquietação e rebeldia. Com poesia polida e mensagens consistentes, adotou o nome Dexter, fez fama com seus versos, ganhou vários prêmios e “moral na quebrada”.

Mais que isso, Marcos passou por maus bocados e atualmente é um dos líderes de uma vanguarda popular engajada politicamente até o pescoço, sem vínculos partidários, com forte viés de esquerda. Eles têm na força e acidez das rimas a principal arma para contestar o status quo e declararam guerra ao sistema. Brown, líder dos Racionais, Gog e outros “manos” de destaque completam a linha de frente do movimento.

“A cultura hip-hop conscientizou parte da juventude da periferia e cumpriu o papel de escola em várias oportunidades nos últimos 20 anos. Pelas letras de rap, conhecemos nossos líderes e entendemos a luta e as expectativas do povo em outras partes do mundo, em outros momentos históricos. Infelizmente, a maioria não escuta rap ou entende a mensagem e nas aulas de História da rede pública de ensino, falam muito pouco de Zumbi (dos Palmares) ou (Carlos) Marighella. Ao mesmo tempo, qualquer um tem uma tevê dentro de casa ligada o tempo todo. A manipulação é pesada e a guerra injusta”,  afirma.

Segundo Dexter, mesmo com o bombardeio publicitário e a posição conservadora da maioria da imprensa nacional, sobretudo da chamada “grande mídia”, a consciência política cresce lenta e gradativamente nas periferias brasileiras desde a década de 1990, época em que o hip-hop ganhou algum espaço nos bailes das favelas e subúrbios.  Boa parte desse despertar crítico, segundo o rapper, pode ser creditado à cultura desse estilo.

No começo da carreira, o militante paulista do Jardim Calux, São Bernardo do Campo, cumpriu a triste sina de uma parte considerável da juventude do Terceiro Mundo. Sem condições financeiras, incentivo público ou expectativa de obter um patrocínio legalmente, recorreu às armas para realizar seu sonho. “Estava tudo pronto para gravar o disco. Faltava a grana. Fui buscar.”

O plano não funcionou. Ele acabou preso e condenado por assalto à mão armada. Permaneceu enclausurado entre 1998 e 2011. Boa parte da pena pagou na Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru. Mas nunca parou de fazer rap. Desde 1990, com o Snake Boys – primeira banda – seguiu firme e forte.

Na cela 509-E do Pavilhão 7, foi um dos fundadores do grupo que levava o número do cubículo como nome. No ano 2000, lançaram o álbum Provérbios 13, muito bem recebido pela crítica e pelo público. Em 2002, o MMII DC (2002 Depois de Cristo), rompeu as grades do presídio e deu o que falar. Era o último álbum do grupo.

Dexter partiu para a carreira solo em 2005. Gravou Exilado sim, preso não. O disco fez muito barulho nas ruas e conquistou cinco categorias do prêmio Hip Hop Top, inclusive a de melhor álbum do Hutúz, festival de rap promovido pela Central Única das Favelas (Cufa).

Nesse período de “exílio”, como ele mesmo define, sobreviveu às condições sub-humanas às quais é submetida a população carcerária brasileira, leu muito e teve contato com o pensamento de líderes negros como Martin Luther King e Malcolm X.

“Muita gente acha que a tortura terminou com o fim da ditadura. Acabou coisa nenhuma. Além da tortura psicológica de ficar preso em um cubículo, a tortura física, aplicada principalmente para a obtenção de confissões e delações, é comum em algumas delegacias. Ao mesmo tempo, o sistema prisional não oferece opções de recuperação e reinserção social e o preconceito impede a grande maioria dos ex-presidiários de sobreviver legalmente. O resultado é um ciclo vicioso. O hip hop salvou minha vida”, admite.

Foram oito longos anos sem subir nos palcos, mas, em 2009, Dexter passou para o regime semiaberto e renasceu em um show épico na quadra da Escola de Samba Unidos do Peruche, da zona norte paulistana.

Rimou ao lado de grandes nomes da música negra em um palco sobre a frase: “Não há grades capazes de deter a intensidade e profundidade de um espírito livre”. Entrou para cantar vestindo uma camiseta com a famosa foto de Barack Obama, muito utilizada à época. Logo abaixo da imagem, a palavra “Revolução”, em letras garrafais.

“Já era tarde e todos os companheiros dormiam. Estava na cela com meu radinho de pilha e chegou a notícia da vitória do Obama. Fiquei emocionado”, relembra. “Independente de qualquer coisa, o povo preto precisa de autoestima e ter um dos nossos como presidente dos EUA é muito importante.”

Ainda no exílio, Marcos começou a se mexer para melhorar as condições da população carcerária, constituída na sua maioria por cidadãos negros, e criou o projeto “Como Vai Seu Mundo?”, desenvolvido em parceria com Jaime Garcia Junior, ex-juiz corregedor da Vara de Execuções Criminais de Guarulhos, mais o Coletivo Peso e o Instituto Crescer. A iniciativa é nobre e pretende levar dignidade e cidadania para os “reeducandos” dentro das penitenciárias.

Desde abril do ano passado, quando ganhou liberdade permanente, Dexter visita as cadeias espalhadas pelo Brasil e leva sua mensagem de autoestima, conscientização política e social aos companheiros que ficaram. “Jamais serei um homem livre enquanto um de meus irmãos de sofrimento estiver na prisão.”

Por Lucas Conejero

Marcos Fernandes de Omena é mais um de sua geração que começou a fazer rap ainda garoto, depois de escutar Racionais. Nascido há 38 anos e criado sob as privações da periferia da Grande São Paulo, encontrou no ritmo uma válvula de escape para externar sua inquietação e rebeldia. Com poesia polida e mensagens consistentes, adotou o nome Dexter, fez fama com seus versos, ganhou vários prêmios e “moral na quebrada”.

Mais que isso, Marcos passou por maus bocados e atualmente é um dos líderes de uma vanguarda popular engajada politicamente até o pescoço, sem vínculos partidários, com forte viés de esquerda. Eles têm na força e acidez das rimas a principal arma para contestar o status quo e declararam guerra ao sistema. Brown, líder dos Racionais, Gog e outros “manos” de destaque completam a linha de frente do movimento.

“A cultura hip-hop conscientizou parte da juventude da periferia e cumpriu o papel de escola em várias oportunidades nos últimos 20 anos. Pelas letras de rap, conhecemos nossos líderes e entendemos a luta e as expectativas do povo em outras partes do mundo, em outros momentos históricos. Infelizmente, a maioria não escuta rap ou entende a mensagem e nas aulas de História da rede pública de ensino, falam muito pouco de Zumbi (dos Palmares) ou (Carlos) Marighella. Ao mesmo tempo, qualquer um tem uma tevê dentro de casa ligada o tempo todo. A manipulação é pesada e a guerra injusta”,  afirma.

Segundo Dexter, mesmo com o bombardeio publicitário e a posição conservadora da maioria da imprensa nacional, sobretudo da chamada “grande mídia”, a consciência política cresce lenta e gradativamente nas periferias brasileiras desde a década de 1990, época em que o hip-hop ganhou algum espaço nos bailes das favelas e subúrbios.  Boa parte desse despertar crítico, segundo o rapper, pode ser creditado à cultura desse estilo.

No começo da carreira, o militante paulista do Jardim Calux, São Bernardo do Campo, cumpriu a triste sina de uma parte considerável da juventude do Terceiro Mundo. Sem condições financeiras, incentivo público ou expectativa de obter um patrocínio legalmente, recorreu às armas para realizar seu sonho. “Estava tudo pronto para gravar o disco. Faltava a grana. Fui buscar.”

O plano não funcionou. Ele acabou preso e condenado por assalto à mão armada. Permaneceu enclausurado entre 1998 e 2011. Boa parte da pena pagou na Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru. Mas nunca parou de fazer rap. Desde 1990, com o Snake Boys – primeira banda – seguiu firme e forte.

Na cela 509-E do Pavilhão 7, foi um dos fundadores do grupo que levava o número do cubículo como nome. No ano 2000, lançaram o álbum Provérbios 13, muito bem recebido pela crítica e pelo público. Em 2002, o MMII DC (2002 Depois de Cristo), rompeu as grades do presídio e deu o que falar. Era o último álbum do grupo.

Dexter partiu para a carreira solo em 2005. Gravou Exilado sim, preso não. O disco fez muito barulho nas ruas e conquistou cinco categorias do prêmio Hip Hop Top, inclusive a de melhor álbum do Hutúz, festival de rap promovido pela Central Única das Favelas (Cufa).

Nesse período de “exílio”, como ele mesmo define, sobreviveu às condições sub-humanas às quais é submetida a população carcerária brasileira, leu muito e teve contato com o pensamento de líderes negros como Martin Luther King e Malcolm X.

“Muita gente acha que a tortura terminou com o fim da ditadura. Acabou coisa nenhuma. Além da tortura psicológica de ficar preso em um cubículo, a tortura física, aplicada principalmente para a obtenção de confissões e delações, é comum em algumas delegacias. Ao mesmo tempo, o sistema prisional não oferece opções de recuperação e reinserção social e o preconceito impede a grande maioria dos ex-presidiários de sobreviver legalmente. O resultado é um ciclo vicioso. O hip hop salvou minha vida”, admite.

Foram oito longos anos sem subir nos palcos, mas, em 2009, Dexter passou para o regime semiaberto e renasceu em um show épico na quadra da Escola de Samba Unidos do Peruche, da zona norte paulistana.

Rimou ao lado de grandes nomes da música negra em um palco sobre a frase: “Não há grades capazes de deter a intensidade e profundidade de um espírito livre”. Entrou para cantar vestindo uma camiseta com a famosa foto de Barack Obama, muito utilizada à época. Logo abaixo da imagem, a palavra “Revolução”, em letras garrafais.

“Já era tarde e todos os companheiros dormiam. Estava na cela com meu radinho de pilha e chegou a notícia da vitória do Obama. Fiquei emocionado”, relembra. “Independente de qualquer coisa, o povo preto precisa de autoestima e ter um dos nossos como presidente dos EUA é muito importante.”

Ainda no exílio, Marcos começou a se mexer para melhorar as condições da população carcerária, constituída na sua maioria por cidadãos negros, e criou o projeto “Como Vai Seu Mundo?”, desenvolvido em parceria com Jaime Garcia Junior, ex-juiz corregedor da Vara de Execuções Criminais de Guarulhos, mais o Coletivo Peso e o Instituto Crescer. A iniciativa é nobre e pretende levar dignidade e cidadania para os “reeducandos” dentro das penitenciárias.

Desde abril do ano passado, quando ganhou liberdade permanente, Dexter visita as cadeias espalhadas pelo Brasil e leva sua mensagem de autoestima, conscientização política e social aos companheiros que ficaram. “Jamais serei um homem livre enquanto um de meus irmãos de sofrimento estiver na prisão.”

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo