Cultura
Com Sérgio Sá Leitão na Ancine, o cinema brasileiro está em perigo?
Indicação feita pelo governo Michel Temer causa ruído na classe artística brasileira preocupada com os rumos da política pública cultural
Nas últimas horas, recebi uma grande quantidade de ligações e mensagens de cineastas, atores, atrizes, produtores e trabalhadores da indústria cinematográfica, principalmente do Rio e de São Paulo, preocupadíssimos por mais uma indicação do governo golpista num órgão fundamental para as políticas de cultura: a Ancine.
Sem nenhum tipo de diálogo com a gente que faz cinema no Brasil e conquista o aplauso dos espectadores no país e da crítica e dos júris nos festivais internacionais, o ministro Freire indicou para a diretoria da agência um conhecido do PMDB, Sérgio Sá Leitão, quem já ocupou a direção da RioFilme na gestão de Eduardo Paes no Rio de Janeiro e atua no âmbito privado como CEO de uma produtora e diretivo do grupo Severiano Ribeiro.
De acordo com uma reportagem do Globo, naquela época, ele sugeriu, numa troca de e-mails do governo, um movimento para “enquadrar”, “isolar” e “tirar a base de apoio” de um grupo de cineastas independentes do Rio. Uma atitude bastante pouco republicana, por dizer o mínimo…
O que todas as pessoas do cinema que ouvi me disseram é que a gestão de Sá Leitão no ente municipal carioca deixou muito a desejar: fala-se em autoritarismo, perseguição contra conselheiros que questionaram suas políticas (acusações sobre as quais ele deverá dar sua versão na sabatina do Senado, porque são graves e devem ser esclarecidas) e favorecimento de determinadas empresas.
De acordo com alguns dos cineastas que falaram comigo, Sá Leitão destinava quase a totalidade da verba pública para produções de unas poucas produtoras de grande porte, locais e estrangeiras. Segundo os cineastas que falaram comigo, 57% do dinheiro investido pela Riofilme foi por escolha direta da diretoria (sem edital ou comitê de seleção) e cerca de 40% foi investido em apenas 10 (grandes) produtoras.
Aqui vale fazer uma ponderação que tem a ver com o modelo de gestão cultural que o Brasil precisa. As grandes produtoras fazem coisas excelentes e outras medíocres, da mesma forma que os estúdios americanos. Não tenho nada contra eles e, como espectador, disfruto de muitos filmes que eles produzem. Contudo, a ideia de se ter uma agência estatal para financiar produções audiovisuais com recursos públicos tem a ver, justamente, com a necessidade de colocar recursos onde muitas vezes o mercado e as grandes produtoras privadas não colocam.
A Ancine deveria cumprir um papel apoiando o cinema independente, incentivando o surgimento de novos talentos, apostando em produções que a lógica da bilheteria e do investimento privado não vai privilegiar.
Não faz sentido que o dinheiro público sirva para dar mais aos que já têm muito. E é nesse ponto, precisamente, que a política do PMDB, hoje à frente do governo golpista, entra em contradição com o que o país precisa. A relação promíscua entre funcionários públicos, partidos e empresários tira dinheiro que pagamos todos de onde ele faz falta por motivos que nada têm a ver com o interesse público.
Eu fui procurado para intervir nesta situação pela minha atuação na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, pela minha defesa do MinC quando o presidente ilegítimo quis extingui-lo e pela minha relação com o mundo da cultura e das artes, que inclui por exemplo o programa de televisão sobre cinema que realizo há tempos, Cinema em outras cores.
E eu pretendo acompanhar de perto o processo de nomeação na Ancine em parceria com colegas do Senado, porque a defesa de uma boa política pública para a cultura me parece fundamental.
Além de responder às críticas e às acusações que estão sendo feitas sobre o candidato do PMDB, que devem ser apuradas com transparência e isenção, o governo deveria fazer algo ainda mais básico: dialogar!
Indicar um diretor para a Ancine sem conversar com as pessoas que fazem cinema no Brasil é uma expressão perfeita da marca de nascença de este governo ilegítimo: o desprezo pela democracia e pela participação da sociedade nos assuntos públicos.
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