Cultura

Cara de tacho

Num sábado meu amigo Wladyr Nader me disse: ‘Vou te apresentar o Marcos Rey’

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Se você nunca se sentiu com cara de tacho, tampouco pretende sentir-se, não precisa ler esta crônica até o fim, pois quem não passou por tal experiência, nem pretende passar, não vai entender o que certa vez se passou comigo.

Era a década de setenta e eu já andava com mania de escrever. Descobri, lá perto da PUC de São Paulo, uma livraria frequentada, principalmente, por leitores contumazes como também por escritores e aspirantes.

Comprei alguns livros, fiz amizade com o Wladyr Nader, dono da livraria e escritor, mais escritor do que dono de livraria, tomei algumas cervejas com famosos e outros nem tanto num barzinho ao lado da livraria. Respirava aquele ar do entorno como alimento intelectual. 

Quase todo sábado, meu dia de folga, marcava ponto na Livraria Escrita. Foi lá que conheci o João Antônio, num lamentável lançamento do livro Lambões de Caçarola, numa sexta à noite (chovia canivete de ponta e ninguém, além deste que vos escreve, apareceu); o Dyonélio Machado, psiquiatra porto-alegrense, de passagem por São Paulo para lançamento de O Louco do Cati, livro editado pelo Wladir (Vertente Editora), bateu papo com a gente; o Jamil Almansur Haddad, depois de ter lançado na França, veio à livraria do Wladyr lançar o Avis aux Navigateurs. Na época era frequente um livro brasileiro ser lançado no exterior depois traduzido para o português.  O Loyola também passou por isso.

Um sábado, como era meu costume, cheguei por volta das onze horas. Havia pouca gente na livraria. Aliás, pouquíssima, porque o dia e a hora não ajudavam muito. Tão pouca que, mal entrei, o Wladyr me chamou e disse: Vou te apresentar ao Marcos Rey. Ora, na época, o Marcos Rey era nome global: ele produzia o Sítio do Pica-pau Amarelo. Era nome mais do que conhecido. Tinha uma dezena ou mais de livros publicados pela Ática na Série Vaga-Lume. Vocês devem estar lembrados.

Fui atrás do Wladyr, excitado com a possibilidade de conhecer um escritor de renome. Ele olhava silencioso algumas lombadas de livros em uma estante quando o Wladyr me anunciou. O Marcos virou-se, muito gentil, e eu levei à frente minha mão, na esperança de apertar a sua.

Ele me olhou com um sorriso aberto em seu rosto largo. Mas não correspondeu a meu gesto. Comecei a gelar, sentindo-me contemplado pelo alto da pirâmide. Antes que eu encabulasse, contudo, ele mostrou-me as duas mãos: eram mirradas e não abriam.

Joguei minha cara no chão e pisei em cima. 

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