Cultura

Caçadores noturnos

Não existe mais o prazer da aventura: estamos empacotados e prontos para o delivery, com toda a assepsia que esperam de nós, seres civilizados

Galeria de apr77/Flickr
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Não sou especialista em sociologia ou psicologia, tampouco em antropologia, mesmo assim ouso afirmar que o prazer que sentimos na captura de um peixe é um prazer atávico. Provavelmente tenhamos herdado tal prazer de nossos ancestrais, que, ao capturarem um peixe, garantiam a subsistência por mais um dia. Quanto prazer! Arrisco mesmo uma suposição: grande parte de nossos prazeres, talvez todos, esteja ligada à sobrevivência. A reprodução humana, por exemplo, não tem prazer que o supere, certo?

Tenho muitos amigos pescadores e algumas vezes já fui pescar com eles. Quinze minutos do centro, em pesque-pague com todo conforto: cadeiras de plástico, quiosques de bebidas e guarda-sóis. Chega-se à beira d’água, joga-se o anzol com isca na lagoa e espera-se. Não muito tempo, claro, porque um peixe vai passar pelo anzol, vai pensar que encontrou comida e comido acaba sendo ele. Tudo muito limpo, tudo muito correto, talvez deva dizer muito bem organizado. Alguns escolhem o tanque da tilápia, outros preferem o pacu, talvez o piau. Eis a que foram reduzidas as aventuras de nossos avós.


Onde o prazer de romper o mato à beira do rio, observar o movimento da água, sua cor, descobrir o lugar em que se abrigam os capturandos, imaginar o que vai acontecer? Onde a sensação de vitória ao fisgar alguma coisa que não se sabe o que seja, impor-lhe nossas habilidades correndo todos os riscos, mesmo o de cair na água? Não existe mais o prazer da aventura, o gosto de encontrar o inusitado para comprovar nossa rapidez de raciocínio, o acerto de nossas decisões. Estamos todos mais ou menos empacotados e prontos para o delivery, com toda a assepsia que esperam de nós: seres civilizados. Os períodos decadentistas, como o ocorrido em fins do século XIX na França, são geralmente produzidos por excesso de civilização. Então, precatemo-nos.

Tenho um primo que, quando criança, via-nos sair para a caça. Era um tempo em que caçar passarinhos não causava remorso, um tempo em que ninguém falava em politicamente correto ou incorreto. Isso ainda não fora inventado. Menino de calça curta a gente não costumava levar por causa dos perigos. Como esse meu primo não era levado conosco, mas já se manifestava nele a vocação de caçador, exercitava sua pontaria dentro do viveiro de seu pai.

Conheço pencas de caçadores de viveiro por aí, que tiram a noite para sonhar suas aventuras. Um deles, jornalismo de peso, me contou que, em viagem pela Itália, jantou com a Sofia Loren, coisa e tal, e depois… bem, não sejamos indiscretos.

Não sou especialista em sociologia ou psicologia, tampouco em antropologia, mesmo assim ouso afirmar que o prazer que sentimos na captura de um peixe é um prazer atávico. Provavelmente tenhamos herdado tal prazer de nossos ancestrais, que, ao capturarem um peixe, garantiam a subsistência por mais um dia. Quanto prazer! Arrisco mesmo uma suposição: grande parte de nossos prazeres, talvez todos, esteja ligada à sobrevivência. A reprodução humana, por exemplo, não tem prazer que o supere, certo?

Tenho muitos amigos pescadores e algumas vezes já fui pescar com eles. Quinze minutos do centro, em pesque-pague com todo conforto: cadeiras de plástico, quiosques de bebidas e guarda-sóis. Chega-se à beira d’água, joga-se o anzol com isca na lagoa e espera-se. Não muito tempo, claro, porque um peixe vai passar pelo anzol, vai pensar que encontrou comida e comido acaba sendo ele. Tudo muito limpo, tudo muito correto, talvez deva dizer muito bem organizado. Alguns escolhem o tanque da tilápia, outros preferem o pacu, talvez o piau. Eis a que foram reduzidas as aventuras de nossos avós.


Onde o prazer de romper o mato à beira do rio, observar o movimento da água, sua cor, descobrir o lugar em que se abrigam os capturandos, imaginar o que vai acontecer? Onde a sensação de vitória ao fisgar alguma coisa que não se sabe o que seja, impor-lhe nossas habilidades correndo todos os riscos, mesmo o de cair na água? Não existe mais o prazer da aventura, o gosto de encontrar o inusitado para comprovar nossa rapidez de raciocínio, o acerto de nossas decisões. Estamos todos mais ou menos empacotados e prontos para o delivery, com toda a assepsia que esperam de nós: seres civilizados. Os períodos decadentistas, como o ocorrido em fins do século XIX na França, são geralmente produzidos por excesso de civilização. Então, precatemo-nos.

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