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As aventuras do nosso amigo Jorge na terra de Elizabeth

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Jorge é um homem viajado que já rodou o mundo. Talvez várias vezes. Nesse verão europeu, depois de tanto ouvir dos amigos e amigas que o máximo agora era alugar um apartamento via Airbnb, em vez de se hospedar em hotéis, como sempre fazia, Jorge acabou se rendendo. 

Entrou na internet e escolheu o seu apartamentinho charmoso em Londres, onde foi passar uma semana. 

Acostumado a sair daqui com o voucher do hotel no bolso, Jorge dessa vez tinha o endereço do apartamentinho charmoso e o nome da proprietária com quem deveria entrar em contato assim que chegasse à cidade. 

A viagem foi tranquila, sem turbulências. Jorge passou alguns dias em Moscou e São Petersburgo e quando chegou a Londres, foi direto procurar o seu lar, doce lar. 

Lá encontrou a tal senhora que, de cara lhe entregou a chave, dessas chaves enormes, bem estranhas, pesadonas, e o aconselhou a nunca perdê-la. Nunca mesmo. Pelo que a proprietária descreveu, perder aquela chave seria mais ou menos o correspondente ao fim do mundo. 

– Ninguém mais abre esse apartamento se o senhor perder essa chave! Nem mesmo a rainha da Inglaterra.

Foi aí que começou o tormento de Jorge, que agarrou-se à chave, jurando que nunca mais sairia das suas mãos. Grudou-se a ela como alguém se gruda naqueles ganchos quando está escalando uma montanha.

Segunda parte. Saber como funciona o apartamento.

– Como funciona a máquina de lavar roupas?

A proprietária passou a mão num volumoso manual de instrução e lhe entregou.

– Está tudo aqui!

O mesmo aconteceu quando ele quis saber como funcionava o gás do chuveiro, o fogão, o microondas, a televisão, a internet e a torradeira. A proprietária lhe entregou uma pilha de manuais, literatura para os próximos trinta dias.

Jorge pensou com os seus botões: Não leio manuais em português no Brasil, será que essa distinta senhora está achando que vou passar a semana lendo manual em inglês para saber como funciona essa máquina de lavar roupas?

A primeira coisa que pensou em fazer foi juntar as roupas sujas que trouxera de São Petersburgo, sua última parada, e levar numa lavanderia ali mesmo no bairro.

A proprietária não ficou mais que cinco minutos no apartamento, desejou-lhe boa estadia e se mandou.

Jorge encostou a porta, olhou para as poucas paredes do apartamentinho charmoso em Londres e pensou:

– O que é que eu estou fazendo aqui?

Já era tarde e Jorge foi dormir, passar a primeira noite ali. Veio o pânico. Ele lembrou-se de um estudo que mostra que centenas de pessoas morrem, todos os anos, ao cair da cama.

A cama era alta e ele voltou a pensar com os seus botões:

E se eu cair dessa cama? Quem vai me socorrer? Aqui não tem porteiro, não tem portaria, não tem telefone, não tem aquele papelzinho plastificado com o número do serviço de quarto, nada disso. Jorge custou a dormir, agarrado aos lençóis e com aquela maldita chave debaixo do travesseiro.

O dia amanheceu em Londres e, com ele, Jorge dentro daquele apartamento. Ele foi até a cozinha, encontrou algumas xícaras no armário, todas imaculadamente brancas. Encontrou os talheres, os copos, a cafeteira, alguns jogos americanos, panelas, um escorredor de macarrão, um pano de prato engomado, tudo muito limpinho. Mas Jorge não tinha sequer um Nescafé pra tomar.

Quando abriu a geladeira e viu apenas dois copos vazios, gelados, exclamou:

– Meu reino por um frigobar!

Veio o segundo pânico e aquela lembrança boa de um hotelzinho, em que era só descer e encontrar lá sua mesa posta, seu café com leite, seu chá, sua brioche, sua torrada quentinha, sua manteiga, seus ovos com bacon, seu queijo brie.

Jorge não tinha absolutamente nada para comer naquele apartamentinho charmoso em Londres, a não ser que saísse por ali procurando um supermercado para fazer suas compras.

Foi então que eles desceu as escadas enormes, as mesmas que havia subido com as malas pesadas nas mão. Agarrado à chave, ele foi dar uma volta pelo bairro. Bem ao lado, parede meia com o apartamentinho que alugou via Airbnb, tinha o tal hotelzinho que ele sonhara. Através da cortininha branca de renda, Jorge viu algumas pessoas animadas tomando o famoso breakfast inglês.

Jorge passou uma semana em Londres visitando museus, bibliotecas e livrarias, já que dessa vez era essa a sua missão. Passou os sete dias tomando o café da manhã na rua, almoçando na rua, jantando na rua. O seu apartamentinho passou a semana do mesmo jeito que ele encontrou quando entrou pela primeira vez. A única diferença é que havia pó nos móveis e a cama estava desarrumada desde a primeira noite. Havia também um copo em cima da pia, aquele que ele usou para beber água esses dias todos.

Toda noite, quando virava a chave e entrava no apartamentinho, Jorge pensava. Eu, fazer comida em Londres? Jamais. Eu, sujar e lavar panelas em Londres? Jamais. Lavar roupa? Jamais. Arrumar cama, varrer o chão, espanar os móveis? Jamais!

Quando encontramos com Jorge e ele nos contou que havia passado uns dias em Londres, ficamos encantados porque adoramos a cidade.

Quando ele contou que alugou um apartamentinho via Airbnb, que somos fãs, exclamamos:

– Que maravilha!

Mas quando perguntamos se gostou, ele foi bem seco.

– Pra nunca mais!

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