Cultura

A depressão de Van Gogh

Todo artista tem algum desvio de normalidade, certo? E o que dizer de artistas como Johann Sebastian Bach e Carlos Drummond de Andrade?

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Alguns biógrafos de Vincent van Gogh afirmam que sua loucura foi conseqüência do constante contato do pintor com trigais. Pelas descrições que nos chegam de seu comportamento, hoje se pode afirmar com segurança que se tratava de um caso de depressão. Suponho que os psiquiatras da época ainda não tivessem, com sua pouca ciência, grande conhecimento da doença. Cá entre nós, não me inclino a crer na causa apontada nem dela duvido. Emanações do trigo maduro? Algum tipo de defensivo? Não importa. Demos de barato que tudo aconteceu assim mesmo.

Então quando olho em volta, fico cismando: será que do canavial não emana algum fluido malévolo, causador de algum tipo de transtorno? Acredito que não. Pelo menos os cientistas atuais, com muito mais ciência do que no século XIX, até hoje não acusaram as plantações de cana de causarem moléstia alguma. É bem verdade que o efeito psicológico da monotonia da paisagem também não pode ser desprezado. Alguns ecologistas acrescentariam que o carvão a que submetemos o aparelho respiratório durante as queimadas é um subproduto da cana prejudicial à saúde. Mas dizer que da cana, da cana como está agora, aquela imensa mancha parada, toda ela verde clara, cobrindo as colinas da região, dizer que dela emana alguma coisa, até hoje ninguém disse. Pelo menos que eu saiba.

Fico imaginando a família Van Gogh transferindo-se para Ribeirão Preto. Uma das conclusões a que chego é que o Vincent poderia não sofrer de depressão e, por isso, é bem provável que não se suicidasse. Mas também é possível que, livre da “loucura”, não pintasse tela nenhuma.

Como saber? Algumas pessoas defendem a ideia de que todo artista tem algum desvio da normalidade, ou seja, é portador de alguma espécie de perturbação mental. E para usar um termo antigo, eles querem dizer que todo artista é meio louco. E citam exemplos, pois exemplos é que não nos faltam. Tudo que se queira provar vai encontrar sempre exemplos comprobatórios. E isso me leva fatalmente à conclusão de que o exemplo não comprova coisa nenhuma.

E para rebater a ideia de que todo artista é meio louco (com seus devidos exemplos), chamo em meu socorro nomes como Johann Sebastian Bach, organista de igreja, pai de dezoito filhos (no século dezessete essa quantidade era perfeitamente normal). De que loucura ele poderia ser acusado? Pai exemplar, esposo amantíssimo (muito amantíssimo), compositor mais do que sereno. E o Carlos Drummond de Andrade? Funcionário público exemplar, um dos diretores da Biblioteca Nacional, cumpriu pela vida fora todos os expedientes que a função lhe exigia, marido nem tão exemplar, mas isso, nos dias que correm, é indício de normalidade e não do contrário.

Querem mais? Existem aos milhares artistas que foram seres comuns, isto é, que qualquer psiquiatra atestaria como vivendo dentro dos limites do que se costuma chamar de normalidade.

Mas isso também não prova nada.

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