Artes

Joan Miró em sala de aula

Exposição ‘A Força da Matéria’ é oportunidade para explorar, com seus alunos, as obras do artista catalão

Obra de Joan Miró|Retrato de Joan Miró
Pintura de 1959 do catalão Joan Miró|Retrato de Joan Miró arte joan miró espanha catalunha formas abstrata pintura desenho|Joan Miró
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As quatro letras que assinam as obras de Joan Miró fazem parte de sua caligrafia. A assinatura carrega em si a força de seu traço, a leveza de seus gestos, e muitas vezes, as cores de sua preferência. As obras apresentam imagens e cores tão características que talvez nem precisassem desse nome para serem identificadas.

Leia atividade didática de Artes inspirada neste texto
Anos do Ciclo: 4º ao 9º
Objetivos de aprendizagem: Reconhecer elementos formais e recursos de linguagem visual nos objetos culturais; Reconhecer suportes e materiais utilizados nos objetos culturais; Criar objetos culturais visuais a partir de sucatas e outros materiais reutilizáveis
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Área: Artes
Tempo de Duração: 5 aulas
Possibilidade interdisciplinar: Língua Portuguesa

1. Mostre para os seus alunos algumas obras de Miró, diversificando as técnicas para exibir a intensa e diversificada produção do artista. Não mostre os títulos para que eles não revelem de imediato os personagens e símbolos do artista. Faça um levantamento das formas descobertas pela observação dos alunos e relacione as palavras elencadas a partir da observação das obras. Em seguida, organize um vocabulário de palavras e respectivas imagens para compor as obras: pássaro, estrela, escada, mulher, lua, olhos e outros personagens escolhidos pelos alunos. Peça para que eles desenhem com os dedos e tinta negra (nanquim ou guache) esses elementos elencados tomando todo o espaço do papel. Após a secagem, ofereça guache nas cores vermelho, azul, amarelo e verde e peça para que completem a pintura com pincel ou os dedos e as mãos, preenchendo os espaços entre as linhas pretas. Essa era a maneira como o artista trabalhava quando realizava suas litografias. Após o desenvolvimento dos trabalhos, exiba o resultado para toda a sala, evidenciando as diferentes imagens produzidas a partir da mesma palavra.

2. Solicite aos alunos que tragam diferentes materiais para serem utilizados como suportes de suas pinturas: pedaços de papelão de caixas de supermercado, caixas de madeira recolhidas nas feiras, jornal, lixas etc. Os alunos podem descobrir os materiais disponíveis na própria escola, fazendo com que ampliem sua percepção do espaço que ocupam e de como os materiais chegam embalados na cozinha, na secretaria etc. A partir dessa coleta de materiais, proponha aos alunos que produzam uma pintura ou desenho sobre esses suportes, aproveitando eventuais manchas, amassados ou rasgos do material. Ofereça diferentes materiais de desenho como tinta preta, carvão, giz de cera, entre outros.

3. Em alguns de seus trabalhos, Miró apresenta um efeito proposital de manchas de tinta que borra as linhas do desenho. Em um de seus cadernos de anotações ele explica esse procedimento: “Em certos lugares, molhar o papel/tela e desenhar em cima com um punção de tinta nanquim para que fique meio borrado e cheio de expressão”. Proponha aos alunos fazer essa experiência com a tinta nanquim. Sugira que desenhem algumas linhas sobre o papel molhado e a partir das manchas criem seus desenhos. Veja as obras: Personnages dans la nuit (1944) e Femmes, oiseau, étoilles (1944), elaboradas a partir desse experimento.

4. Leia para os alunos o poema O Sim Contra o Sim. Após a leitura, incentive-os a expressar o que esse poema conta sobre Miró. Como o poeta vê o Miró e como expressa sua interpretação por palavras? Podem as palavras falar das imagens? Solicite que escrevam um poema a partir de uma obra selecionada por eles.

5. Unindo as imagens produzidas a partir do vocabulário do primeiro exercício sugerido aos poemas ou frases redigidas nessa proposta, o grupo poderá produzir um livro de imagens e palavras como João Cabral e Miró construíram.
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Em Miró, há a predominância do azul, vermelho, amarelo, negro e alguns verdes. Cores que compõem o universo de figuras, símbolos e letras de um repertório que se repete em pinturas realizadas em diferentes suportes, como madeira, jornal, papel, tela e construções que juntam objetos encontrados ao acaso e, em suas mãos, transformam-se em personagens de sua história.

Tal trajetória começa em 1893, quando nasce Catalunha (Espanha), mas não acaba em 1983, quando Miró morre, aos 90 anos, em Palma de Mallorca. Sua vida foi dividida entre a França e a Espanha, em constantes idas e vindas em viagens e períodos de residência em diferentes lugares desses dois países, além de algumas temporadas nos Estados Unidos.

Retrato de Joan Miró, em Barcelona (1935) Retrato de Joan Miró, em Barcelona (1935)

Parte dessa história pode ser vista na exposição Joan Miró – A Força da Matéria, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake até o dia 16 de agosto. Depois, segue para o Museu de Arte de Santa Catarina, em Florianópolis. A mostra reúne 112 obras do artista, entre pinturas, esculturas, desenhos gravuras e objetos, além de fotografias sobre a trajetória do pintor e alguns filmes que exibem a vida e a produção do artista. As obras pertencem a Fundação Miró de Barcelona e de coleções particulares e foram organizadas cronologicamente.

Tal organização por décadas (anos 1930 e 1940; 1950 e 1960 e anos 1970) facilita a percepção dos caminhos traçados pelo artista. As obras produzidas na época da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) são marcadas pela experimentação de diferentes materiais na pintura de cavalete. Desde o final de 1920, o artista tinha como intenção ir além da concepção clássica de pintura, o que o levou a trabalhar com técnicas diversas. Entre elas, colagens de materiais e pinturas sobre suportes pouco comuns à pintura como madeira, papelão, lixas, feltro etc.

O interesse pela matéria leva o artista a trabalhar na produção de esculturas. Entre 1950 e 1960, Miró produziu uma série de obras construídas com objetos de uso cotidiano, somados a algumas formas modeladas. Após a construção, esses objetos eram fundidos em bronze, dando unidade à construção.

Mesmo sem cor, reconhecemos nessas esculturas as formas e símbolos de Miró: olhos, lua, formas de mulheres moldadas ou aproveitadas de jarras, latas, cabeça de boneca, objetos recolhidos em passeios pelo campo ou pela praia,  transformados pelas mãos do artista. Em outras esculturas, as cores de suas pinturas estão presentes.

Em múltiplas linguagens, o repertório visual de Miró concentra-se na representação da mulher como símbolo da fertilidade, das estrelas em suas constelações, do pássaro como ligação entre céu e a terra – formas simplificadas que se repetem de diferentes maneiras em seus trabalhos, como uma espécie de vocabulário restrito de personagens e cores que norteiam sua produção.

Em suas próprias palavras, Miró define com clareza sua escolha pela simplificação de personagens e cores: “Paulatinamente, comecei a não utilizar mais do que uma pequena quantidade de formas e cores…” Em outro excerto, afirma: “Meus personagens têm experimentado a mesma simplificação das cores. Assim, simplificados, parecem mais humanos e mais vivos do que se estivessem representados com todos os detalhes, faltaria essa vida imaginária que engrandece tudo”. E ainda: “Quando um espectador se reconhece em meu personagem, não sente o que o separa deles, mas tudo o que o aproxima de todos os homens, seja branco ou negro, do sul ou do norte, negro ou chinês”.

Em sua constante procura por novos caminhos de expressão, Miró dedicou-se, na década de 1970, à produção de gravuras. Inicialmente realizadas sobre pedras especiais para gravar e imprimir imagens, a litografia passou também a ser produzida em chapas de zinco. Nelas, o artista pinta com tinta negra, registrando seus gestos com as mãos e dedos que espalhavam a tinta sobre a superfície. Sobre a experiência de pintar com as mãos, declarou: “Eu preciso manipular. Eu gosto de me manchar de tinta… preciso colocar as mãos na tinta, nas cores ou qualquer que seja o material.” Após a impressão dos traços negros, Miró compunha suas gravuras com o uso de uma gama restrita de cores: amarelo, vermelho, azul e verde. Finalizada, a gravura era impressa em inúmeras cópias.

Essa inquietação de Miró na procura de novos meios de expressão – para não se acomodar, não deixar que seus personagens e vocabulário se tornasse uma repetição de si mesmo – é bem descrita no poema do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, no qual constrói com palavras essa busca infinita do artista em se recriar, se reinventar.

Miró sentia que a mão direita
Demasiado sabia
e que de saber tanto
já não podia inventar nada

Quis então que desaprendesse
o muito que aprendera,
a fim de reencontrar
a linha ainda fresca da esquerda.

Pois que ela não pôde, ele pôs-se
desenhar com esta
até que, se operando,
no braço direito ele a enxerta.
A esquerda (senão é canhoto)
É mão sem habilidade:
Reaprende a cada linha,
Cada instante, a recomeçar-se.

(O Sim Contra o Sim, de João Cabral de Melo Neto)

A poesia de João Cabral juntou-se à obra de Miró a partir de uma amizade iniciada no encontro entre o poeta e o artista catalão, ocorrido quando o brasileiro ocupou os cargos de vice-cônsul do Brasil em Barcelona, entre 1947 e 1950, e de cônsul, de 1967 a 1969.

O poeta ficou fascinado com a obra de Miró, que interpretou as imagens em palavras. Além da poesia O Sim Contra o Sim (1977), Cabral escreveu Campo de Terragona e um ensaio sobre a obra do artista, intitulado Joan Miró. A parceria, porém, foi além dos textos do poeta sobre a obra do artista. Juntos, produziram um livro em xilografia, com 130 exemplares impressos, unindo a arte pictórica à arte poética, atravessando fronteiras culturais e reforçando o vínculo fraternal entre Miró e Cabral.

A poesia sempre esteve presente na vida de Miró. Durante sua estadia em Paris, por exemplo, conviveu com poetas do Surrealismo que brincavam com as palavras ao acaso. Em algumas de suas pinturas, o artista inseriu palavras e frases, construindo versos. Os títulos de suas obras também evidenciam o seu vocabulário pictórico. Sua obra, construída com luas, estrelas, pássaros e mulheres, vermelhos, azuis, amarelos e negros são poemas para os olhos. Uma vez vista, nunca mais esquecida.

*Renata Sant’anna é autora de livros de artes para crianças e professores e educadora no Museu de Arte Contemporânea da USP

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Joan Miró – A força da matéria São Paulo (SP)
Período: Até 16 de agosto
Local: Instituto Tomie Ohtake
Tel: (11) 2245-1900

Florianópolis (SC)
Período: 2 de setembro a 15 de novembro
Local: Museu de Arte de Santa Catarina (Masc)
Tel: (48) 3664-2629
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