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Marchinhas, o espírito do carnaval de rua

Alegres e fáceis de aprender, marchinhas exprimem espírito das festas de rua ao mesmo tempo que fazem crônicas breves de seu tempo

Carnaval de rua
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Uma boa marchinha carnavalesca deve ter uma melodia alegre de cantar e fácil de memorizar; e uma letra divertida, que diga coisas engraçadas mesmo que não façam muito sentido. Numa descrição tão vaga cabem muitos modelos, inclusive alguns que desobedecem a algum item específico dessa lista. (Há marchinhas tristonhas, por exemplo. A chamada marcha-rancho reproduz em seu ritmo arrastado uma sensação que pode ir da nostalgia ao desalento. Existem marchinhas com letras meramente descritivas e outras que soam de um modo totalmente nonsense.)

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E a marchinha, por definição, é curta. Em geral tem uma estrutura de primeira parte, segunda parte e refrão, além de algum riff instrumental característico capaz de evocá-la instantaneamente.

[bs_row class=”row”][bs_col class=”col-xs-2″][/bs_col][bs_col class=”col-xs-10 azul”]Leia atividade didática de Língua Portuguesa inspirada neste texto
Anos do ciclo: 4° ao 9° ano
Área: Língua Portuguesa
Possibilidade interdisciplinar: História, Artes (Música)
Duração: Variada em função do número de atividades selecionadas
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1)Temas de carnaval
Prepare uma lista de assuntos de hoje que possam ser abordados de maneira brincalhona através de marchinhas. Peça aos alunos que usem a melodia de suas marchinhas preferidas para colocar novas letras, falando desses assuntos atuais.

2) Personagens femininos
Use marchinhas que falem de personagens para descrever a personalidade deles. Aurora, Jardineira. Chiquita Bacana, A Mulher do Padeiro. Faça redações descrevendo essas mulheres. Invente episódios da vida de cada uma que revelem sua maneira de ser, seu estilo.

3) Histórias reais
Sugira que escolham personagens ou fatos curiosos da própria sala de aula, acontecidos com a própria turma, e contem a história em forma de marchinha.

4) Mundo afora
Quais foram os fatos mais importantes do último ano, no mundo? Comentá-los através de uma marchinha. Outro modelo: Cada grupo vai fazer uma marchinha inspirada num nome sorteado em segredo; o personagem não pode ser chamado pelo nome, mas a letra deve deixar claro que é ele.

5) Sons e versos
Façam uma lista das onomatopeias e sonoridades (“laraiá, laiá…”, “olelê, olalá”, etc.) presentes nas marchinhas. Que função essas frases desempenham? Poderiam ter sido substituídas por versos?

6) Rodada poética
Junte a turma para fazer marchinhas no sistema conhecido como Round-robin. Arrumados em círculo, cada um tem dois minutos para escrever uma estrofe de marchinha. Acabado o tempo, todos passam sua folha para o colega da esquerda e recebem a folha entregue pelo da direita; e têm mais dois minutos para escrever versos na letra que recebeu. No final, pode ser feita a escolha das que ficaram mais interessantes.
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O auge da marchinha coincide com o auge do rádio, entre as décadas de 1930 e 1960, antes que a televisão começasse gradualmente a ocupar espaço na criação de modas e tendências associadas à música. Ela exprime o espírito do carnaval de rua, que vive das mil e uma marchinhas que todo folião sabe de cor desde a infância e é capaz de cantar enquanto pula no asfalto, batendo numa lata.

A marchinha é a trilha sonora do carnaval sem altas produções, com pouca grana, o carnaval que qualquer joão-ninguém pode brincar. O que nunca impediu, é claro, que ela fosse tocada pelas orquestras e cantada em coro pelos foliões do carnaval de clube, uma tradição que ainda resiste heroicamente. As orquestras dos clubes fechados foram tão importantes quanto as rádios para fazer das marchinhas a trilha sonora mais popular em todos os carnavais.

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A marchinha faz a crônica dos fatos do momento, das novidades, das modas, de tudo que atrai a atenção do povo. Assunto que gera manchete é assunto que gera marchinha. A marchinha era como um cartum, uma maneira rápida e vívida de cristalizar um aspecto engraçado ou paradoxal de uma situação qualquer.

“Lá vem o cordão dos puxa-sacos dando vivas aos seus maiorais… Quem está na frente é passado pra trás, e o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais!” (Cordão dos Puxa-sacos, de Roberto Martins e Eratóstenes Frazão, 1946)

“Você conhece o pedreiro Waldemar? Se não conhece, pois eu vou lhe apresentar: de madrugada toma o trem da circular, faz tanta casa e não tem casa pra morar.” (Pedreiro Waldemar, de Roberto Martins e Wilson Batista, 1949)

Personagens pitorescos, figuras públicas, tipos populares, tudo isto fornece material para marchinhas que captam o olhar do povo sobre as novidades que o mundo lhe apresenta. Olhar conservador, olhar irreverente, olhar simpático ou desconfiado com novas maneiras de ser, com novas atitudes, novas formas de comportamento.

“Olha a cabeleira do Zezé… Será que ele é? Será que ele é?” (Cabeleira do Zezé, de João Roberto Kelly e Roberto Faissal, 1964)

“Maria Sapatão, sapatão, sapatão… De dia é Maria, de noite é João.” (Maria Sapatão, de João Roberto Kelly, 1981)

Não se deve pensar, porém, que a marchinha é uma espécie de jornalismo musicado. As letras são muito curtas, e o espaço dos versos tem de ser repartido com os refrões, que muitas vezes não passam de onomatopeias – agregados de sílabas boas de cantar, mas que não têm nenhum significado literal. O folião de carnaval parece gostar de letras com algo de exótico, de pitoresco, mas não levado muito a sério, como nas inúmeras marchinhas ambientadas em outros países, em outras culturas, e reduzindo tudo à poética lúdica de suas letras.

“Eu fui às touradas em Madri, pararatibum, bum, bum… E quase não volto mais aqui, pra ver Peri, beijar Ceci.” (Touradas em Madri, de João de Barro e Alberto Ribeiro, 1938)

“Atravessando o deserto do Saara, o sol estava quente, queimou a nossa cara… Allah-la-ô, ôôô, ôôô… Mas que calor, ôôô, ôôô…” (Allah-la-ô, de Nássara e Haroldo Lobo, 1941)

A mulher é um tema constante nessas músicas, feitas de propósito para o canto de uma multidão, num clima de euforia de verão onde ninguém é de ninguém. Mulheres de todos os tipos já foram musas de marchinhas: a fiel, a sapeca, a trabalhadora, a mulher fatal, a esposa paciente, a namorada esfuziante. Em três anos sucessivos, o carnaval carioca homenageou a mulata (O Teu Cabelo não Nega, de Lamartine Babo e Irmãos Valença, 1932), a morena (Linda Morena, de Lamartine Babo, 1933) e a loura (Linda Lourinha, de João de Barro, 1934).

Há muitas marchinhas celebrando a mulher diferente, desinibida, que atrai os olhos de todos os homens à sua passagem; talvez porque seja assim que muitas mulheres querem se sentir no carnaval, e os compositores fazem o que podem para que isso aconteça. Versos sobre mulheres namoradeiras, anticonvencionais, são mais aceitos dentro da leveza de tom de uma marchinha carnavalesca.

“Chiquita Bacana lá da Martinica se veste numa casca de banana nanica.” (Chiquita Bacana, de Alberto Ribeiro e João de Barro, 1949)

“Maria Escandalosa desde criança sempre deu alteração; na escola não dava bola, só aprendia o que não era da lição. (…) Hoje ela não sabe nada de História, de Geografia; mas seu corpo de sereia dá aulas de anatomia.” (Maria Escandalosa, de Klecius Caldas e Armando Cavalcanti, 1955)

Os anos 1950 foram uma época conservadora nos costumes, mas também de uma euforia modernizante generalizada, inclusive nos costumes. Daí os conselhos prudentes de João de Barro em Vai com Jeito (1957): “Se alguém lhe convidar pra tomar banho em Paquetá, um piquenique na Barra da Tijuca ou pra fazer um programa no Joá… Menina, vai; com jeito vai, se não um dia a casa cai”. Havia no ar certa preocupação com o perigo de tantas jovens inexperientes receberem sua iniciação amorosa nas mãos dos “lobos maus” de sempre. Anos depois, tanto a Bossa Nova quanto a Jovem Guarda retomaram esse tema, que vive girando eternamente na cabeça dos jovens e dos pais dos jovens.

As letras das marchinhas ganham novos sentidos a depender do contexto. Uma marchinha despretensiosa como a Marcha do Remador (de Antonio Almeida e Oldemar Magalhães, 1964) acabou se transformando num símbolo popular de esperança e otimismo. Já a vi cantada por torcidas de futebol e por estudantes encarando vestibular; em comícios políticos, em greves, em campanhas de todo tipo explodia de vez em quando o coro: “Se a canoa não virar, olê, olê, olá, eu chego lá!”

A marchinha gosta de trocadilhos, distorção de siglas ou de nomes próprios, rimas inesperadas com palavras que acabam de “entrar na moda”. Ela é conservadora no sentido de ter criado para si própria uma tradição: um perfil melódico, rítmico, e um estilo de letras que mantém o mesmo espírito de quase um século atrás. No recente 7o Concurso Nacional de Marchinhas Carnavalescas da Fundição Progresso (Rio), os organizadores receberam a inscrição de 1.049 composições, entre as quais o júri escolheu dez finalistas. As letras destas demonstram a fidelidade à tradição, mesmo nos novos tempos:

“Já tô treinando pra 2016/no COI dos outros é refresco, podes crer/ninguém vai botar membro no meu comitê.” (Neto, Janjão, Gallotti e Holanda)

“Cai, cai, cai, cachaça/acha graça quem não viu/já virou moda na praça/guarda-chuva de funil.” (Leandro Almeida)

“Já me apaixonei por colombina/já me apaixonei por arlequim/de dia sou caubói/de noite bailarina.” (Eugenio Dale e Suely Mesquita)

“Estresse mata, meu bem/estresse mata/quem vive no estresse/leva a fama de panaca.” (Eduardo Dussek)

*Publicada originalmente em Carta Fundamental

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