Vanguardas do Conhecimento

“Num mundo ideal, mudança na previdência não acontece antes de muito tempo”

Maior especialista do mundo diz que idade mínima é tendência mundial, mas que reformas devem ser feitas em longo prazo

Nick Barr: as mudanças na previdência deveriam ocorrer de forma paulatina
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Nicholas Barr, professor da London School of Economics, é o maior especialista do mundo em reforma da previdência. Na primeira parte de sua entrevista para o Brasil no Mundo, Barr fez duras críticas à PEC 241/55, principal medida do governo de Michel Temer. Nesta segunda parte da conversa, Barr fala sobre um segundo tema central no governo do PMDB: a reforma da previdência.

Para Barr, é essencial que a idade mínima para a aposentadoria seja aumentada, mas as mudanças devem ocorrer em prazos longos, dando tempo para as pessoas se adaptarem. “No Reino Unido, até recentemente a idade de aposentadoria para homens era 65 anos e para mulheres era 60. Foi anunciado que o limite de idade para as mulheres deveria aumentar para 65. Isso aconteceu de modo gradual entre 2010 e 2015, mas foi anunciado no início da década de 90. As pessoas tiveram muito tempo para se acostumar com a ideia”, diz.

CartaCapital: As discussões no Brasil sobre o limite de idade para aposentadoria estão focando em sustentabilidade fiscal versus direitos adquiridos, mas não estão prestando atenção aos efeitos na eficiência econômica. O senhor poderia falar sobre isso?

Nicholas Barr: Há uma grande necessidade de mudar as expectativas da população. Todas as nossas visões são modeladas pela nossa experiência e leva tempo para mudar atitudes. Se você tivesse vindo me ver 25 anos atrás, poderia ter sentado no meu escritório e acendido um cigarro sem nem me perguntar. Hoje o comportamento mudou. Nesse aspecto, eu acho que mudou para melhor.

Em coisas como a idade de aposentadoria, a visão antiga era de 60 ou 65 anos, porque era assim e assim continuaria a ser. É um parâmetro, e o que nós verdadeiramente precisamos é que as pessoas, sobretudo as mais jovens hoje, pensem nisso não como um parâmetro, mas como uma variável.

Se os governos estão pensando em ações de longo prazo, uma maneira de fazer isso é aprovar uma lei que diga: De agora em diante, as idades mais baixas para pagamento de aposentadoria serão vinculadas à expectativa de vida.

CC: Há exemplos disso? 

NB: Eles fizeram isso na Dinamarca, por exemplo. Isso significa que ninguém jovem como você sabe qual será a sua idade elegível para aposentadoria. Quando você estiver com 60 anos, a variação que enfrentará já será pequena. No entanto, fazer com que isso seja aceito pelas pessoas é difícil.

Num mundo ideal, você faz o anúncio agora, mas a mudança na previdência não acontece antes de muito tempo. No Reino Unido, até recentemente a idade de aposentadoria para homens era 65 anos e para mulheres era 60. Foi anunciado que o limite de idade para as mulheres deveria aumentar para 65. Isso aconteceu de modo gradual entre 2010 e 2015, mas foi anunciado no início da década de 90. As pessoas tiveram muito tempo para se acostumar com a ideia. 

Eu me lembro quando a Comissão da Previdência emitiu seu relatório no Reino Unido em 2005. Eles estavam propondo o aumento da idade para aposentadoria de 65 para 66 anos em 2024, e o presidente da comissão, que era muito bom politicamente, na noite em que ele apresentou o relatório, olhou nas câmeras de TV e disse: “Se você tiver mais de 50 anos, isso não vai lhe afetar. Se você tiver mais de 40, você terá que trabalhar um ano a mais”. E você podia sentir em seguida as pessoas relaxando na medida em que percebiam não haver mudança drástica, nem repentina.

CC: Então, o senhor concorda, em geral, com o aumento do limite de idade.

NB: Eu acho essencial o aumento do limite de idade. Não é uma afirmação para o Brasil, mas para todos os países. As pessoas estão vivendo vidas mais longas e saudáveis. Isso poderia ser argumentado como o maior êxito do século XX.

O design da previdência construiu um ajuste automático para todos os tipos de coisas. Nós agora indexamos as aposentadorias a preços ou salários etc. Vincular as idades à expectativa de vida de algum modo razoável precisa acontecer em todos os países.

Quando a Comissão da Previdência do Reino Unido estava preparando o seu relatório em 2004, eu disse ao presidente: “Se suas recomendações não incluírem uma mudança na idade da previdência, então o resto é uma perda de tempo. Ele sorriu e concordou. Essa foi uma das recomendações dele”.

CC: Num país como o Brasil, com uma formação de capital muito baixa, faz sentido a criação de um sistema de capitalização conjuntamente com o sistema atual de repartição (Pay as You Go)?  

NB: Sistemas de capitalização podem ser parte da agenda de políticas públicas, mas os seus elaboradores têm que ser claros com o eleitorado sobre haver alguns mitos aí, como o de que sistemas de capitalização seriam a solução perfeita. Há um mito que diz: “O Chile fez isso. É fácil da fazer”. Nenhum dos dois é verdade. É muito difícil de fazer. 

Digo, algumas vezes, que o Chile não prestou um bom serviço ao mundo, porque eles fizeram os sistemas de capitalização parecerem muito fáceis. O Chile tem uma administração muito boa. Na América Latina e no Centro-Leste da Europa, as pessoas dizem: “O Chile fez, então nós podemos fazê-lo”, e isso não é verdade. 

Do que é preciso estar ciente? Problema 1: custos de transição. Se os trabalhadores brasileiros irão contribuir parcialmente para sistemas de capitalização, tais contribuições não estarão disponíveis para o governo pagar as aposentadorias dos aposentados brasileiros de hoje. Se essas aposentadorias precisam ser pagas hoje, alguém mais terá de pagar por elas.

Se não forem as contribuições dos trabalhadores, serão as dos contribuintes. O gasto público aumenta inicialmente, portanto. Esse fenômeno é chamado de custo de transição, expressão que pode fazê-lo soar pequenos e de curta duração, mas nenhum dos dois é verdade.

No Chile, desde que eles reformaram a previdência em 1981, o gasto com a previdência pública tem continuado 5% do PIB e ainda está em torno disso. Nem todo esse gasto é custo de transição, mas uma boa parte é. Então, nós estamos falando de um período muito longo e de uma quantidade de dinheiro significativa.

O pior momento de todos para os países começarem com um sistema de capitalização é quando eles estão em má situação fiscal. Os países pós-comunistas da Europa Centro-Leste (Polônia, Hungria etc.) introduziram sistemas de capitalização ao final dos anos 90 com base em projeções fiscais segundo as quais eles poderiam pagar pelas reformas.

Quando a crise econômica veio, eles não puderam pagar por elas, então tiveram que reestruturar tudo. Essa é a primeira coisa à qual os criadores das políticas precisam estar atentos. 

O segundo ponto que os elaboradores das políticas públicas devem ter em mente é que há diferentes modos de organizar a poupança por meio de aposentadorias. Com um sistema de capitalização, o modelo do Chile, os indivíduos escolhem de prestadores em competição, e o argumento é o de que competição é algo bom. O argumento é de que ela dá diferentes escolhas às pessoas e faz pressão para redução dos custos de administração. 

CC: Mas as coisas geralmente não são tão racionais como os economistas pensam, não?

NB: Essa análise é a que os economistas chamam de “first best economics”, que parte da ideia de informação perfeita, de não haver custos de fricção, nem custos de transação etc. As pessoas não se comportam deste modo. A Economia Comportamental (Behavioral Economics) explica por qual motivo. As pessoas fazem escolhas ruins, por exemplo.

Deixe-me lhe contar uma história. Na Suécia, a maior parte da contribuição do trabalhador vai para a previdência pública, mas uma pequena parte vai para um fundo de previdência privada, e os trabalhadores têm de escolher entre 800 esquemas de previdência, porém há um fundo padrão para trabalhadores que não fazem nenhuma escolha.

O governo da Suécia me pediu para escrever um relatório sobre o sistema deles, o que eu fiz, e na noite antes de eu apresentar o meu relatório, eu estava jantando em Estocolmo com dois velhos amigos. Um deles era alguém que gere o sistema previdência sueco e o outro era alguém que ajudou a desenhar o sistema, e eu disse a eles: “Se fosse um trabalhador sueco, eu não teria ideia de qual o melhor esquema de previdência. Eu escolheria o fundo padrão”. Eles olharam para mim, riram e disseram: “Nós estamos no fundo padrão”.  

Essa história nos mostra que instrumentos financeiros são de longo prazo e muito complexos. A maioria das pessoas não sabe o suficiente para fazer boas escolhas. Mesmo que eles tivessem conhecimento, iriam preferir estar brincando com seus netos, ou estar na Costa do Golfo, ou assistir à Copa América, coisas como essas, do que pensar sobre qual o melhor plano de previdência.

Os custos de transição são, portanto, a primeira coisa com a qual tomar cuidado. Escolhas ruins dos consumidores resultantes de informação imperfeita e as lições de Economia Comportamental são a segunda coisa a se considerar.

Altos custos administrativos são o terceiro problema. Se o seu plano de previdência cobra de você 1% de sua acumulação a cada ano para gerenciar o fundo, após 40 anos de carreira sua acumulação será 20% menor por causa daquela cobrança. 1% é uma das menores taxas cobradas. Um sistema onde as pessoas têm escolha individual é inerentemente caro do ponto de vista administrativo. 

Seria aceitável se as pessoas valorizassem poder usar isso para escolher o arranjo de previdência que elas mais gostam. Eu não acho que seja o caso. O que verificamos frequentemente é escolhas ruins e altos custos administrativos. 

A escolha ruim do consumidor e os altos custos administrativos podem ser corrigidos com um sistema de capitalização de fundo coletivo. A Holanda tem esquemas de fundos de previdência ocupacional. A única escolha que os trabalhadores têm de fazer é se ele trabalha nesse setor ou não. Depois disso, não tem que fazer mais escolhas, pois o sistema é gerenciado coletivamente. Não há problema de informação, os custos administrativos são baixos etc.

Você pode corrigir esses dois problemas, mas então você se depara com um quarto problema, que é o tamanho do pote de mel. Num sistema de repartição, um governo ruim pode roubar no máximo um ano de contribuições. Num sistema de capitalização, acumulam-se anos de contribuição. É um pote muito grande. Veja o que aconteceu na Argentina e na Hungria. Torna-se muito tentador para os governos pegar o dinheiro ou dizer aos fundos de previdência para usar aqueles fundos com o fim de comprar títulos da dívida pública.

Então, sistemas de capitalização apenas funcionam bem, dentre outras coisas, se você pode confiar no comportamento do governo. Você pode confiar em alguns governos, mas não em outros.

O meu ponto é que um sistema com elementos de poupança não é uma ideia ruim, mas precisa de design cuidadoso e consenso político de longo prazo. O que estou dizendo é: Não pense, nem por um momento, que é fácil. É preciso design cuidadoso. É preciso cuidadosa implementação de longo prazo, bom gerenciamento, boa administração e o governo precisa tirar as mãos dele da acumulação. 

CC: O sistema previdenciário brasileiro é financiado por alíquotas progressivas de 8%, 9% e 11%. Não há isenção para as pessoas pobres. Há algum modo bom de fazê-las mais progressivas para que o sistema possa redistribuir mais?

NB: Muitos países europeus têm um limite tanto nas contribuições quanto nos benefícios. Limitar os benefícios faz sentido. Você não precisa pagar a Bill Gates uma aposentadoria de 5 de dólares por ano. A pergunta é: Como você paga por esses benefícios?. 

Na Suécia, onde os benefícios são atuarialmente relacionados às contribuições, você tem um limite para contribuições e benefícios. No Reino Unido, nosso sistema nacional de previdência é altamente redistributivo. Todo mundo está sujeito à mesma alíquota de contribuição, que é 10,5% dos ganhos até um limite.

Se eu ganho duas vezes mais do que você, eu pago duas vezes mais em contribuições, porém recebo o mesmo benefício. Primeiro ponto: um limite faz sentido. Segundo ponto: você não deveria olhar apenas para contribuições, mas para contribuições e benefícios juntos. 

O terceiro ponto é que você pode ter problemas se não houver uma faixa de isenção para aqueles de baixa renda. Alguns deles estão ligados a custos de administração. A maioria dos países, e certamente é o caso do Reino Unido, tem algo chamado “o limite dos ganhadores de pequena renda”. Se os seus ganhos são menores do que isso, você não paga contribuição. 

Parece-me que agora você tem dois limites para analisar. Uma opção é elevar o limite dos que ganham mais e a faixa de isenção no mesmo montante, então você teria mais ou menos a mesma quantidade de receitas, mas não dos mais pobres, e sim do restante.

Eu acho que essa medida tem vantagens de um ponto de vista de equidade, mas, também, administrativamente. Se meus ganhos são apenas alguns poucos dólares por ter trabalhado no seu jardim, é uma política ruim exigir 8% sobre isso. 

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