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Corrida por Manoel começa por caminhada cívica até o DOI-CODI

A “Sucursal do Inferno”, no bairro do Paraíso, em São Paulo, foi o destino do primeiro ato

Memória, para o horror não se repetir jamais
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Panfleto01.jpg Uma caminhada cívica marcou na manhã de quarta-feira 17 o início do projeto Corrida por Manoel, homenagem jornalístico-esportiva a Manoel Fiel Filho, operário metalúrgico torturado e morto pela ditadura militar há 40 anos.

Dezenas de pessoas se concentraram na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes, na Liberdade (região central de São Paulo), onde foi realizado o ato de abertura da Corrida por Manoel.

Além de integrantes da diretoria do sindicato, como o secretário-geral, Jorge Carlos de Moraes (o Arakém), e a tesoureira-geral, Elza de Fátima Costa, participaram dirigentes de entidades como Núcleo Memória, Centro de Memória Sindical, Coordenação de Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Memorial da Resistência. Aquiles Reis, do MPB4, também esteve presente.

José Francisco Campos, diretor e coordenador do Departamento de Memória Sindical, lembrou a mobilização da diretoria do sindicato em 1976, logo que correu pela “rádio-peão” a notícia da prisão e, depois, da morte de Fiel Filho.

“Nós fomos à casa dele, levar solidariedade a dona Thereza”, disse Campos. Era o fim da tarde de sábado, e um saco de lixo tinha sido atirado em frente à casa dela: era o macacão azul que Manoel vestia quando fora preso.

A informação oficial era de que Manoel havia se enforcado com as meias. “Ele foi preso de chinelos”, afirmou Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos quando Manoel foi assassinado.

Apesar da mordaça da ditadura, a entidade denunciou a farsa montada no DOI-CODI. Chegou a mandar telegrama ao general Ernesto Geisel, então presidente da República, exigindo investigações e a demissão do comandante do Segundo Exército, que era o responsável pelo DOI-CODI.

Nas bases do movimento sindical, a denúncia e as vozes de protesto também se ouviam. Em poucos dias, panfletos relatando o crime da ditadura e chamando o povo brasileiro à luta por democracia circulavam nos principais centros.

O site Documentos Revelados conseguiu recuperar um desses panfletos, feito ainda em máquina de escrever e reproduzido artesanalmente. Foi encontrado pendurado em um gancho em uma passarela na Avenida Brasil (Rio de Janeiro).

Pelo resumo que faz dos fatos envolvendo a morte de Manoel e das lutas populares naquele ano de 1976, o documento (abaixo) foi lido no ato do Sindicato dos Metalúrgicos.

Panfleto02.jpg

Manoel-selo.jpg

Com brados de “Manoel Fiel Filho – Presente!” e “Para que não se esqueça – para que nunca mais aconteça”, fechamos o ato ali e começamos a nos preparar para a caminhada.

Além do material organizado pelo Sindicato dos Metalúrgicos, vários grupos trouxeram cartazes e faixas lembrando a importância de preservar a memória das lutas sindicais e populares e dos homens e mulheres que deram suas vidas pela democracia no Brasil.

Foi esse o espírito de nossa caminhada cívica, no início da Corrida por Manoel: uma homenagem reverente a quem fez por merecer e um alerta para que estejamos todos vigilantes para que crimes como aquele não se repitam.

Com animação garantida pelo gogó de experientes agitadores de porta de fábrica, saímos enfim pela Galvão Bueno.

Ocupando parte da rua, descemos a Galvão e subimos a rua São Joaquim, bem no coração da Liberdade, bairro da região central que se tornou famoso por abrigar a comunidade japonesa – hoje, há muitos representantes de outros países asiáticos. A faixa que abria nossa passeata já informava a razão e o porquê da caminhada, de nossos gritos e de nossa luta: “Salve Manoel Fiel Filho – OP Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes reverencia sua memória”.

Para deixar tudo mais claro, porém, os colegas que caminhavam com o megafone faziam breves discursos contando a história de Manoel, afirmando que estávamos na rua para dizer: “Ditadura Nunca Mais”.

E foi assim, caminhando e bradando slogans – que é uma forma de cantar –, que chegamos à rua do Paraíso, avançamos pela Abílio Soares e tomamos a Paulista. Nunca foi tão emocionante caminhar naquele platô, nem mesmo na minha mais rápida e fulgurante chegada em São Silvestre.

Os corredores sabemos o quanto empolga ver a Paulista lá no alto, enquanto resfolegamos pela Brigadeiro; e o quanto acalma e turbilhona a alma quando enfim fazemos a curva derradeira da São Silvestre.

Pois para mim hoje foi muito mais. Corredores e caminhantes, sindicalistas e músicos, estudantes e trabalhadores estávamos todos revivendo e revigorando a memória com nossas passadas. E parando a cidade e fazendo a cidade parar para ver a passeata passar, parar para ouvir a chamada “Para que não se esqueça – para que nunca mais aconteça”.

A Paulista não era nosso destino na manhã de hoje, mas, para mim, aqueles dois quarteirões tiveram um significado todo especial, de conquista, de alegria, de fraternidade e parceria com todos os que ali estavam.

Descemos enfim a Tomás Carvalhal, no bairro do Paraíso — triste ironia, pois ali funcionou a Sucursal do Inferno.

A essa altura, tínhamos apoio e proteção de carros da Polícia Militar; duas viaturas abriam o caminho, liberando o trânsito para a primeira jornada da Corrida por Manoel, e uma terceira acompanhava o final da passeata, também protegendo nossos caminhantes.

No final da descida, já encontrávamos muros que cercam o complexo onde funcionou o DOI-CODI. Apontando um portão fechado, não mais utilizado hoje em dia, o ex-preso político Maurice Politi lembrou: “Era por ali que saíam os carros”.

Lembrou também que naquelas vizinhanças os moradores conseguiam ouvir os gritos dos torturados nas celas de interrogatório da “Casa da Vovó”, outro apelido irônico, maldoso, para o mais brutal centro de torturas montado no Brasil durante a Ditadura Militar.

O prédio do DOI-CODI foi tombado e deverá virar um centro de memória. No edifício da frente funciona o 36º Distrito Policial.

Foi na entrada desse conjunto, em uma área usada para estacionamento, que nos concentramos para fazer o encerramento da Caminhada pela Vida.

Politi, diretor do Núcleo de Memória, emocionou a todos lembrando sua experiência de sobrevivente.

Ativo militante contra a ditadura, aos 21 anos foi sequestrado e levado para os porões do DOI-CODI, onde foi submetido ao tratamento selvagem que era padrão na época. “Quando a gente descia do carro já era recebido a porrada com pedaços de pau”, contou ele. A ditadura escondia seus crimes: “Quando minha mãe e meu pai vinham aqui me procurar, diziam para eles que aqui não havia nenhum preso, não havia ninguém”.

E assim torturavam, humilhavam, matavam. Já na época, porém, o movimento popular se levantou contra todas essas indignidades, contra esses crimes contra a humanidade.

E, agora, a gente busca relembrar a luta dos que enfrentaram esses regime de terror. A Corrida por Manoel, como bem diz a coordenadora do Memorial da Resistência, Kátia Neves, “é uma forma original de resistência política contra o esquecimento e, portanto, pela preservação da memória”.

Continue com a gente. Venha comigo! Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça!

*Texto publicado originalmente no blog Lucena Corredor, do jornalista Rodolfo Lucena

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