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“Versão online” dos protestos no Chile engaja mais de 1 milhão

Mobilização de rua dos chilenos por mudança social encontra equivalência em plataforma de campanhas online

Foto: Carlos Figueroa
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Os protestos no Chile não acabaram e devem continuar enquanto não houver uma proposta concreta e real acerca das demandas apresentadas. A avaliação é da jornalista chilena e coordenadora de campanhas da Change.org no Chile, Consuelo Arevalo Ortiz, que conta como a mobilização que tomou as ruas de Santiago, capital do país, reverberou em uma intensa movimentação na plataforma de petições online e vice-versa. Se mais de 1,2 milhão de pessoas se juntaram ao ápice dos protestos no dia 25 de outubro, a mesma quantidade manifestou seu desejo por transformação em mais de 15 abaixo-assinados hospedados no site. 

Consuelo conta que está sendo “impressionante” a forma como os chilenos têm recorrido à plataforma para manifestar seu descontentamento com o governo e denunciar os recorrentes casos de violação dos direitos humanos ocorridos nos protestos. “O tráfego em nosso site, nesses últimos 50 e tantos dias de mobilização, tem tido picos muito altos, e a quantidade de assinaturas [das petições] é tremenda”, afirma a coordenadora de campanhas enfatizando que os abaixo-assinados congregam-se com as causas colocadas nas ruas.

Um exemplo do que afirma a jornalista é a mobilização que conquistou a acusação constitucional, por parte dos deputados, contra o presidente chileno Sebastián Piñera por violação dos direitos humanos na repressão das manifestações. A causa recebeu demonstração de apoio de 457 mil pessoas em um abaixo-assinado. “É a petição mais viral que já tivemos em toda a história da Change.org no Chile”, destaca Consuelo. A denúncia contra Piñera segue em busca de maioria absoluta na Câmara e de dois terços no Senado. 

“Com estas mais de 475 mil assinaturas, ficou demonstrado que a voz do povo pode e deve ser escutada através de todos os canais existentes”, declarou o criador da campanha na página da petição. Consuelo conta que, assim como muitos chilenos, o autor dessa mobilização vive no exterior, e enfatiza como a ferramenta de petições online também pode ser utilizada como um instrumento de mobilização para quem vive longe de seu país, mas deseja de alguma forma engajar-se em causas que buscam melhorias em sua terra natal.   

“[A ferramenta] permite pôr na opinião pública internacional a crítica que se está fazendo no Chile, que nem sempre está nos meios de comunicação”, comenta a jornalista. Para a coordenadora de campanhas, essa atuação cidadã, assim como as redes sociais, “têm um papel importantíssimo”. Esse alcance internacional citado por Consuelo chegou, por exemplo, ao Brasil, onde um abaixo-assinado, que denuncia as lesões oculares causadas por tiros de bala de borracha nos manifestantes, foi traduzido para o português e divulgado. 

As demandas dos chilenos: saúde, educação e dignidade

Consuelo Arevalo Ortiz, coordenadora de campanhas da Change.org no Chile – Foto: Change.org

Embora a cobertura da imprensa tenha diminuído, a representante da Change.org no Chile comenta que os protestos continuam todos os dias, especialmente às sextas-feiras, em um ponto que virou símbolo das manifestações: a Praça Itália, que os manifestantes passaram a denominar como “Praça da Dignidade”, lançando inclusive com um abaixo-assinado para que ela seja oficialmente rebatizada. Na opinião da jornalista, as pessoas seguem se manifestando porque as medidas que o governo tomou até agora não foram suficientes. 

“A resposta do governo não é satisfatória porque essa crise aponta para o modelo, ao modelo econômico chileno, ao modelo político chileno, que assegura a desigualdade, que assegura as diferenças educacionais e a saúde como um privilégio”, declara Consuelo. Para a coordenadora, essas questões mais profundas ainda não tiveram intervenção suficiente do governo. “As medidas são muito leves e para as pessoas que estão nas ruas são como uma falta de respeito, já que não atendem às demandas cidadãs”, acrescenta.   

Os protestos no Chile começaram nos dias 17 e 18 de outubro com atos de estudantes secundaristas contra o reajuste de 3,75% na tarifa do transporte público de Santiago. Devido à forte repressão, as manifestações se intensificaram gerando uma grave crise no país. As principais reivindicações giram em torno do pedido de uma nova Constituição – já que a atual foi feita ainda durante a ditadura militar -; do aumento do piso das aposentadorias; além de medidas práticas que resolvam a marcante desigualdade social e econômica do país.   

A truculência das forças de segurança fez a violência aumentar ainda mais nos atos e o caos chegou a ser instalado, com depredação de bens públicos e privados e edifícios e estações de metrô incendiadas. O governo, então, decidiu decretar “Estado de Emergência” e “Toque de Recolher”, colocando o Exército nas ruas pela primeira vez desde a ditadura. A partir daí só se multiplicaram denúncias de abusos e violação de direitos humanos nos protestos.

Números do Instituto Nacional de Direitos Humanos (NHRI) mostram que, desde o começo das manifestações, 3.449 pessoas ficaram feridas. Também foram registradas pelo órgão 685 denúncias contra agentes do Estado, sendo seis delas por homicídio, 11 por tentativa de homicídio, 108 por violência sexual, além de 544 por tortura e tratamento cruel. Balas de borracha e munições contendo chumbo, vidro fosco e areia de sílica utilizadas pelos agentes deixaram mais de 300 vítimas com lesões oculares, sendo 33 sem uma das visões. 

Ao passo que os protestos e a violência cresciam, as manifestações na versão chilena da plataforma Change.org acumulavam cada vez mais apoiadores. A segunda maior campanha, atrás da denúncia constitucional contra Piñera, reuniu 222 mil apoiadores em defesa de uma nova Constituição para o país – um plebiscito deve acontecer em abril do ano que vem -, já a terceira juntou 174 mil pessoas para que os militares fossem retirados das ruas. 

Consuelo destaca que mais de 1,2 milhão de pessoas se juntaram a essas campanhas porque veem nos relatos das petições uma forma de compartilhar seus sentimentos e “a gana de fazer justiça em um país onde não há justiça quase nunca. Temos que recordar que poucos militares foram condenados por crimes de lesa-humanidade depois da ditadura. O próprio Pinochet [Augusto Pinochet, general do Exército e ditador chileno entre 1973 e 1990] morreu sem pagar perante a justiça militar e civil por seus crimes de lesa-humanidade”, fala.   

A mobilização continua

Mais de 1,2 milhão de pessoas se mobilizaram nas ruas de Santiago – Foto: Carlos Figueroa

Na última terça-feira 10, Dia dos Direitos Humanos, o presidente chileno Sebastián Piñera reconheceu as violações ocorridas nos protestos. Piñera também anunciou algumas medidas, como a revisão dos protocolos policiais e reparação às vítimas, um plano de recuperação ocular e a criação de uma equipe no Ministério da Mulher e Equidade de Gênero para lidar com os casos de violência sexual denunciados por mulheres que estavam nos atos. 

Para a representante da Change.org no Chile, a crise que o país enfrenta é consequência da “história de impunidade” que a nação atravessa desde sempre. Ela acredita, entretanto, que as campanhas criadas na plataforma mostram que os chilenos não vão se esquecer quem são os responsáveis pela decisões que levaram a esses problemas durante os mais de 50 dias de mobilização, bem como continuarão a cobrá-los.

“[A manifestação] não está cooptada por nenhum representante político”, ressalta Consuelo destacando o caráter “inteiramente cidadão” da mobilização. Ela acredita que os atos seguirão até que haja melhorias no sistema de saúde, na educação e “em tudo o que tem a ver com a presença do Estado como garantidor dos direitos. E para isso tem que se modificar também o sistema econômico”, opina. “As pessoas vão se manifestar até que realmente a dignidade não seja algo que tenham que pedir, mas sim que seja algo que lhes deem”, finaliza. 

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