Brasil Debate

Trump e a volta da crise nuclear do Irã

Um só indício de ataque militar ao país, na contramão do acordo feito por Barack Obama, pode desencadear uma guerra com envolvimento de outras nações

Trump mira o Irã
Apoie Siga-nos no

[Este é o blog do Brasil Debate em CartaCapital. Aqui você acessa o site completo]

 

Em 1967, os Estados Unidos forneceram ao Irã o primeiro reator nuclear do país, ainda operacional. Três anos depois, os iranianos assinaram o Acordo Internacional de Não Proliferação de Armas Nucleares na ONU.

Em 1974, o então Xá Reza Pahlevi, aliado do Ocidente, anunciou um programa de expansão de geração elétrica termonuclear com meta de 23 gigawatts de capacidade em 20 anos. O programa incluiu a construção de 23 usinas geradoras e unidades de enriquecimento de combustível, em modelo parecido com o adotado no Brasil à época.

Com a criação da República Islâmica em 1979, a colaboração tecnológica ocidental foi interrompida e o Irã incluído pelos EUA na lista de Estados que apoiam o terrorismo internacional.

Durante as décadas de 1980 e 1990, as sanções foram ampliadas e o governo persa construiu novas alianças tecnológicas, principalmente com a Rússia (energia termonuclear) e a China (mísseis balísticos para lançamento de satélites).

Em 2002, um grupo político iraniano supostamente ligado a atividades terroristas anunciou que o país dispunha de usina de enriquecimento de urânio nas imediações de Arak. Cerca de um ano depois, o conselho diretor da Agência Internacional de Energia Atômica promulgou uma resolução que impunha ao Irã a paralisação do processo de enriquecimento de urânio e a abertura das instalações de beneficiamento do mineral no país a técnicos da agência.

Depois de idas e vindas, a agência aceitou o compromisso de interrupção de enriquecimento radioativo pelos persas.  Em 2005, o Irã anunciou acordo com a Rússia para fornecimento de combustível enriquecido para o reator nuclear de Bushehr. Os rejeitos enriquecidos retornariam à Rússia como medida “preventiva” para que o Irã não tivesse condições de obter plutônio.

Após meses de negociações com o Ocidente, o Conselho de Segurança da ONU expediu as Resoluções 1.737 e 1.747 restringindo a capacidade do Irã de desenvolver tecnologias com aplicação em balística e em beneficiamento de urânio.

Em 2007, a inteligência norte-americana informou que o Irã encontrava-se em condições de dispor de primeiro artefato nuclear entre 2010 e 2015. Um mês após a posse de Barack Obama, em 2008, o Irã anunciou bem-sucedido lançamento do primeiro satélite, o que confirmou as suspeitas de desenvolvimento de mísseis balísticos.

No fim de 2008, EUA, Inglaterra e França anunciaram que o Irã possuía uma segunda instalação secreta de enriquecimento de urânio nas montanhas perto da cidade sagrada de Qorn.

No início de 2010, o Ocidente e a agência nuclear aceitaram novo acordo com o Irã para enriquecimento e utilização de urânio a 20% para utilização em geração elétrica. No fim do ano, contudo, técnicos iranianos revelaram que o vírus de computador stuxnet havia causado danos na planta de enriquecimento de Natanz, atacando sistemas de controle de automação e monitoramento industrial conhecidos pela sigla SCADA/Siemens. Segundo o Wikileaks, houve sério acidente na usina à mesma época.

Em 2012, a UE proibiu seus países-membros de importarem óleo do Irã e a agiencia nuclear reportou que o Irã enriquecia minério em quantidades superiores àqueles requisitos exigidos para geração elétrica. Em discurso nas Nações Unidas, Israel estabeleceu “linha-vermelha” para massa de 250 quilos de urânio enriquecido a 20% de pureza. Esta massa seria suficiente para a fabricação de primeiro artefato com urânio quase puro (50 quilos).

Em 2013, o presidente dos EUA assumiu as negociações entre os países (França, Inglaterra, EUA, Rússia, Irã) com esforço de celebração de acordo definitivo. Em 2015, o Irã testou dois mísseis balísticos de grande precisão, em violação de Resolução da ONU.

Em um dos mais aplaudidos discursos do congresso norte-americano na história recente, em fins de 2015, o chefe de Estado de Israel, Benjamin Netanyahu, fez críticas à atitude condescendente dos EUA com o programa nuclear iraniano. E exigiu que se impusesse ao Irã: 1) interromper as ações agressivas sobre os vizinhos do Oriente Médio; 2) interromper o apoio ao terrorismo ao redor do mundo; 3) interromper a ameaça de aniquilamento do Estado de Israel.

Israel reconheceu que a redução nos preços do petróleo contribuiu para o enfraquecimento do regime de aiatolás no Irã. A capacidade de promover ações agressivas contra o Ocidente não seria, porém, interrompida com o encaminhamento proposto por Obama. Claramente, sem o apoio militar dos EUA, não seria possível a Israel atacar o Irã, pois isto poderia envolver outras potências asiáticas em escalada de guerra. A crença é que os EUA, mesmo sem OTAN, poderiam dissuadir qualquer ação hostil a Israel.

Netanyahu alegava à época que o acordo negociado pelos EUA levaria a guerra no futuro. O Irã manteria a capacidade de produção intacta e poderia dispor de bomba atômica a partir de 2017 e de arsenal nuclear na década seguinte. Os serviços secretos de Israel e EUA estimavam em 19 mil o número de centrífugas. Obama replicou que Israel não possuiria alternativa negocial viável e que a não realização do acordo seria pior que a consolidação do acordo em curso.

Em setembro de 2016, o premier de Israel ocupou o púlpito das Nações Unidas para reafirmar o protagonismo israelense no mundo e dizer que a guerra contra o país desencadeada na ONU deveria terminar. De acordo com ele, a ONU emitiu cerca de 30 resoluções “contra” o Estado de Israel, referente à situação palestina, ignorando os fatos de Israel ser um “global waterpower”, com tecnologias e plantas para dessalinização de 90% da água utilizada, e de atrair cerca de 20% dos investimentos privados mundiais em cyber segurança.

Mais recentemente, Netanyahu condenou duramente a omissão do governo Obama na ONU. Em seção de 23 de dezembro de 2016, as Nações Unidas aprovaram uma resolução pela retirada de Israel de território palestino e os EUA não exerceram poder de veto no Conselho de Segurança. O recém-eleito presidente Donald Trump compartilha da visão de Israel e enfatiza a importância de ação direta e imediata contra a capacidade do Irã em produzir artefatos nucleares.

O poderio militar no Oriente Médio

Ainda que não seja confirmada por qualquer das partes, a base aérea de Hamadam, no Irã, encontra-se franqueada a bombardeiros e caças russos. Há fotos que mostram número significativo de bombardeiros estratégicos ‘Backfire’ Tu-22M3s, que podem ser armados com mísseis nucleares e jatos Su-34 no exato momento em que estas linhas são escritas.

 Em meados de dezembro de 2016, o embaixador iraniano em Moscou anunciou a implantação de sistema de mísseis S-3.000 soviéticos na base antiaérea de Khatam al-Anbiya. Sistemas de mísseis antiaéreos visam a proteger bases aéreas, distinto de sistemas de mísseis antimísseis, atualmente instalados na Europa (contra Rússia), no Japão (contra Coreia do Norte) e no Oriente Médio (contra Irã) por fabricantes norte-americanos.

O submarino nuclear de ataque K-329 Severodvinsk entrou em serviço em 2014. Ele tem estrutura mais leve (13,8 mil toneladas) do que os submarinos de outras classes soviéticas, o tamanho de um prédio de quase 40 andares e atinge até 40 nós de velocidade debaixo d’água, bem mais silencioso que seus antecessores. A marinha soviética tem quatro destes encomendados.

Conforme a tabela a seguir, o número de submarinos nucleares ocidentais é superior (22) que a soma dos artefatos na Rússia e na China combinados (17). O emprego de submarinos de ataque é usualmente concebido como em primeira onda, direcionado a instalações militares adversárias. Cada submarino consegue transportar mísseis de médio alcance e há baixíssima chance de serem detectados antes do lançamento. Por isso, são diretamente associados ao exercício de poder global e apenas cinco nações dispõem de um. O Brasil seria o sexto país na lista, porém restrito ao papel de caçar outros submarinos.

Os EUA são o único a dispor de uma frota de porta-aviões compatível com a presença militar em todos os principais oceanos e mares do planeta, e também o território mais seguro para este tipo de ameaça. O ataque de bombardeiros é direcionado principalmente a instalações militares e de infraestrutura logística e energética. O poder naval e aéreo norte-americano no mar é incontestável. O número de tanques russos e chineses supera em muito o norte-americano, o que mostra, ao lado de elevados contingentes militares, superioridade da China e Rússia em terra.

Na comparação, parece indiscutível que os EUA têm capacidade militar instalada compatível com o exercício do poder hegemônico mundial. Combinações de forças mediante alianças na Ásia podem efetivamente ameaçar a hegemonia norte-americana naquele continente e impedir a formação de novo império ocidental.

Na próxima tabela, percebe-se que a Europa (OTAN) é relevante para o objetivo de dissuadir o Irã de perseguir armas nucleares intercontinentais. Caso os EUA e Israel avaliem que o ataque às instalações nucleares do Irã desencadeará alianças com Turquia e Egito, torna-se importante a abertura de outras frentes de conflito, eventualmente a envolver a Ucrânia, de maneira a dividir o esforço militar russo.

Em síntese, qualquer cenário de ataque militar ocidental ao Irã pode desencadear escalada de guerra com envolvimento rápido de outras nações e, consequentemente, recolocando o preço e o suprimento do petróleo como variáveis chave das economias que não dispõem da commodity.

 * É professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense, mestre em administração de empresas pelo COPPEAD/UFRJ, doutor em economia pelo IE/UFRJ. Engenheiro no BNDES e Conselheiro na central sindical CNTU.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.