Sociedade

Rio 2016 expõe crise do modelo de Jogos Olímpicos

Padrões altos demais, custos excessivos: Olimpíadas no Brasil indicam que COI precisa organizar o evento esportivo de maneira diferente

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Por Astrid Prange 

Uma tempestade era tudo de que o Rio de Janeiro não estava precisando. Na noite deste sábado (30/07), a ventania que passou pela cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016 destruiu a rampa de acesso dos velejadores na Marina da Glória. O Comitê Organizador local só tem cinco dias para reparar os danos.

“São coisas que acontecem. Ninguém consegue evitar a natureza”, disse Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Rio 2016, sobre a mais recente pane nos preparativos para os Jogos. Afinal de contas, “se esquece que as competições de vela às vezes não acontecem porque não tem vento. Então, é uma obra da natureza”, concluiu.

Mas, quem paga o reparo dos danos? Às vésperas do torneio mundial, está de volta a briga em torno dos custos para sua realização, de 5 a 21 de agosto.

O economista esportivo Wolfgang Maennig propõe uma flexibilização das exigências do Comitê Olímpico Internacional (COI), adaptando-as às circunstâncias no país anfitrião. “O COI vai ter que pensar num jeito de futuramente mudar sua concepção, de forma que em pelo menos três ou quatro cidades do mundo a maioria da população seja a favor das Olimpíadas.”

A biografia de Maennig, hoje professor da Universidade de Hamburgo, está intimamente ligada aos Jogos. Em 1988, ele foi campeão olímpico de remo em Seul. Depois, apoiou as candidaturas a sede dos Jogos Olímpicos das cidades alemãs Munique, Leipzig e Berlim. No Rio, ele participará de diversos debates sobre o financiamento futuro do evento.

“A grande tarefa do COI será tornar-se muito mais flexível nos pré-requisitos para os locais esportivos”, prossegue. Isso diz respeito tanto ao número de espectadores quanto aos padrões de segurança. “Tudo o que o COI exige segue as normas suíças ou alemãs, e não é assim que o resto do mundo quer construir.”

A organização dos Jogos Olímpicos na metrópole brasileira custou cerca de 10 bilhões de euros. A discussão sobre os custos não se refere a essa soma total, mas sim à proporção entre verbas privadas e públicas. Segundo dados oficiais, 57% dos custos serão arcados por investidores privados.

Os críticos do movimento brasileiro Comitê Popular Copa e Olimpíadas, contudo, fazem uma conta diferente: os cofres públicos estariam participando com 63%, cabendo aos investidores privados apenas 37%. Tal discrepância se deveria ao fato de o Comitê Organizador Rio 2016 não ter levado em consideração nem os benefícios fiscais nem as vantagens recíprocas nas parcerias público-privadas.

Custos imprevisíveis, como o reparo de locais de competição ou o combate ao vírus zika, também não são levados em consideração nos orçamentos normais. Por isso, após desembarcar no Rio, o presidente do COI, Thomas Bach, invocou a coesão da família olímpica.

“Vamos ajudar o Comitê Organizador local nos problemas de liquidez”, assegurou à imprensa reunida na metrópole. “Vamos fazer de tudo para garantir o êxito dos Jogos.”

Segundo os termos do contrato, o COI financia um pouco mais da metade dos gastos do Comitê Organizador local. Como apoio financeiro ao presidente Nuzman, Bach anunciou agora que poderão ser adiados os depósitos, equivalentes a 500 milhões de euros, previstos para os dias da abertura e da cerimônia de encerramento.

Descartada fica a hipótese de os Jogos chegarem ao fim em déficit. Pois, exatamente como a Federação Internacional de Futebol (Fifa), também o COI recebe do governo em questão a garantia de que este arcará com todos os eventuais prejuízos.

Justamente aí algo precisa mudar, na opinião de Maennig. A fim de reativar o interesse das cidades em hospedar as Olimpíadas, o COI tem que não só reduzir suas exigências, mas também elevar as subvenções para o comitê local e a cidade-sede.

“Chegamos a um ponto em que poderíamos nos perguntar se não faria sentido o COI dizer: ‘Esse estádio olímpico com 20 mil lugares, de que vocês precisam, financiamos nós. Esse é o nosso presente à cidade-sede.’ A meu ver, isso deveria ser possível”, considera o economista.

Pelo menos um pequeno presente os cariocas já receberam dos Jogos Olímpicos: um estudo da Fundação Getúlio Vargas mostrou que a renda per capita da metrópole cresceu 30% entre 2008 e 2016, enquanto no resto do país a percentagem média foi de 19,6%.

“Os Jogos Olímpicos mantêm a economia do Rio em funcionamento“, explica Marcelo Neri, economista docente na Fundação Getúlio Vargas. Enquanto nos 18 municípios vizinhos do Rio de Janeiro a renda ficou estagnada, devido à crise econômica brasileira, na metrópole o crescimento se mantém.

Seria esta uma motivação para Roma, Paris, Budapeste ou Los Angeles se candidatarem a sede dos Jogos de 2024? Para Hamburgo, cuja população rejeitou o evento em referendo, certamente não foi.

 

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