Sociedade

“COI tem que baixar suas exigências”

Rio 2016 evidencia falhas do modelo dos Jogos Olímpicos num momento em que cada vez menos países democráticos se candidatam a sediar o evento

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O debate sobre o sentido de megaeventos como as Olimpíadas ou a Copa do Mundo para os países anfitriões vem se acirrando. A Rio 2016 evidencia falhas no modelo dos Jogos Olímpicos, com padrões altos demais e custos excessivos.

E as acusações – aos políticos locais e ao Comitê Olímpico Internacional (COI) – também se acumulam, num momento em que cada vez menos nações democráticas demonstram interesse em sediar o evento.

O economista esportivo Wolfgang Maennig, de 56 anos, postula que a chave para a sobrevivência do modelo olímpico é o COI flexibilizar suas exigências aos países-sede. Maennig foi medalhista olímpico de remo nos Jogos de 1988, em Seul.

Tendo participado das candidaturas olímpicas de Berlim (2000), Leipzig (2012) e Munique (Jogos de Inverno de 2018), ele leciona Economia do Esporte na Universidade de Hamburgo. Em 18 de agosto, participará no Rio do 8º International Sport Business Symposium.

DW: O Comitê Olímpico Internacional (COI) deve reduzir suas exigências aos países anfitriões dos Jogos Olímpicos?

Wolfgang Maennig: Com toda certeza. Essa será a grande tarefa do COI no futuro. Ele deve ser mais flexível em suas exigências e, por exemplo, liberar estádios que não correspondam ao padrão olímpico atual. Não me refiro ao comprimento das piscinas, sobre isso não adianta discutir. Mas a coisa já começa com o número dos espectadores e – desculpem – também os padrões de segurança. Tudo o que o COI exige, segue padrões suíços ou alemães, e não é assim que o resto do mundo quer construir.

Eles vão ter que ceder. O preço disso é que talvez tenham que se contentar com 8 mil espectadores nas competições olímpicas de natação. É claro que vai ter quem faça cara feia.

DW: Procede que os investimentos nos Jogos são feitos à custa de outros gastos públicos?

WM: Sim, óbvio. Um Estado só pode gastar uma vez cada euro de seu orçamento. E especialmente hoje em dia, quando, em vários países do mundo, há um teto de endividamento, como na Europa, ou um freio factual, pelos mercados financeiros, que simplesmente não estão dispostos a conceder mais créditos.

Então está perfeitamente claro que um Estado tem que considerar muito bem o que aplica nas Olimpíadas e o que economiza em outro lugar, para compensar. Esse foi, aliás, também o caso em Hamburgo [cidade alemã cuja população rejeitou em referendo a candidatura aos Jogos Olímpicos, em novembro de 2015], mas é algo que costuma ser acobertado.

DW: Por que o COI não participa mais dos custos dos Jogos Olímpicos?

WM: O COI financia mais da metade das despesas de organização. Já ao se candidatar, as cidades estão sabendo de quanto será a subvenção do COI. E aí nos regulamentos há, ainda, uma elegante formulação, segundo a qual pode-se reagir com flexibilidade se houver problemas imprevisíveis. É o que acontece agora no Rio.

Não só o COI faz assim, também a Federação Internacional de Futebol (Fifa). No entanto, ambos obtêm do país anfitrião uma garantia de que ele arcará com todos os déficits. Por uma questão de imagem, os eventos do COI e da Fifa têm sempre que chegar ao fim com superávit.

DW: Mas os custos de organização são sensivelmente mais baixos do que os investimentos em infraestrutura exigidos para sediar Jogos Olímpicos.

WM: De fato. Os custos gigantescos gerados pelos Jogos provêm da construção de portos, aeroportos, estradas, metrôs e vilas olímpicas. Essas medidas de infraestrutura não têm tanto a ver com as Olimpíadas, em geral elas já eram mesmo urgentemente necessárias.

Os Jogos Olímpicos são um motivo para implementá-las mais cedo e mais rápido, ou para facilitar o financiamento. O COI não quer participar dessas medidas – coisa que eu compreendo, enquanto esportista.

Por outro lado, se o Comitê quiser assegurar que no futuro continuará havendo suficientes candidaturas de países democráticos para sediar os Jogos, ele tem que se flexibilizar. Está óbvio que os resultados de todas as pesquisas de opinião são contra as Olimpíadas. O referendo em Hamburgo não foi a exceção, mas sim a regra.

No momento, não conseguimos passar pela população, os cidadãos não aceitam que haja tantos gastos para os Jogos Olímpicos. Por isso, talvez a família olímpica e também a Fifa devessem dizer: nós financiamos um estádio e pagamos também pela infraestrutura. É provável que a coisa vá nessa direção.

DW: Então faria sentido o COI passar a dar contribuições mais altas para os comitês organizadores locais?

WM: Essa é a ideia. Até agora, só é permitido financiar construções provisórias com o orçamento do comitê organizador. Quer dizer: pode-se construir um estádio com capacidade provisória para até 80 mil espectadores e depois reduzi-lo para 20 mil. No entanto não é possível o financiamento de um estádio olímpico com capacidade permanente para um público de 20 mil.

Com isso, fica um tanto evidenciada a perversão. Esse é o ponto em que se pode perguntar se não faria sentido o COI dizer: “O estádio olímpico com 20 mil lugares de que vocês precisam, nós vamos financiar. Esse é o nosso presente à cidade-sede.” A meu ver, isso deveria ser possível.

DW: Talvez vá ser possível depois da Rio 2016?

WM: Sim, a coisa vai chegar lá, quando o COI notar que não há mais suficientes candidaturas de Estados democráticos. Agora talvez vá ser cancelada a candidatura de Roma para 2024. O COI vai ter que pensar sobre como mudar seu conceito de sediação, de forma que em três ou quatro cidades a maioria da população seja a favor das Olimpíadas.

Quando o Rio venceu a concorrência, a população ficou entusiasmada. Teria sido bom, na época, ter ocorrido uma consulta popular.

Por Astrid Prange

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