Política

“Partidos da coalizão de Temer não defendem ideias claras”

Principal problema do atual governo é a falta de eixo político dos partidos que integram maioria do governo, diz especialista em coalizões

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O resultado da eleição para as presidências da Câmara e do Senado, que ocorre nesta semana, é crucial para o governo Michel Temer (PMDB) calcular as chances de aprovação da reforma da Previdência no Congresso.

Para Andreia Freitas, professora da Universidade de Campinas (Unicamp), especialista na análise de governos de coalizão, não há chance de o governo conseguir aprovar essa reforma sem uma profunda negociação com seus parceiros. “Que a reforma da Previdência não vai sair do jeito que eles estão propondo isso eu tenho certeza absoluta. Não consigo imaginar que permaneça a idade mínima de 65 anos.”

Para a cientista política,  o principal problema da coalizão do atual governo é a falta de ideário político da maioria dos partidos que apoiam Michel Temer. “Quando você tem clareza do seu projeto político, a negociação é muito mais simples. A falta de clareza impacta muito na capacidade de liderança. Não vejo nenhum plano desenhado neste governo.”

DW Brasil: Num governo de coalizão com vários partidos, como no Brasil, a impressão que se tem é que falta coesão nos resultados finais, na definição de políticas públicas. É possível administrar com tamanha fragmentação?

Andreia Freitas: As teorias sobre coalizão informam que, quanto maior o número de atores, maior a dificuldade de se chegar um resultado final. Você poderia ter uma coalizão um pouco menor, com atores muito distantes do ponto de vista ideológico, e ainda assim você teria mais facilidade de chegar a um resultado final do que tem com uma coalizão maior, ainda que os atores sejam próximos.

O problema maior aqui nem é tanto a coesão das ideias, mas a falta de ideário e de ideologia dos atores envolvidos. Se você tem condições de antecipar as preferências dos atores envolvidos, a negociação é mais fácil. Você sabe o que o seu parceiro espera e entra para negociar com um referencial. O que complica muito o contexto, além do número de atores, é que as ideologias, as políticas específicas que cada um deles defende, não são claras.

Você tem uma ala mais conservadora na área moral, o Centrão. Tem o PSDB com uma agenda econômica mais clara. O PMDB tem todo o espectro ideológico dentro dele e não tem uma posição clara sobre determinadas políticas. 

DW: A falta de clareza dos princípios desses partidos torna a negociação mais fisiológica?

AF: Toda coalizão, em qualquer país do mundo, com qualquer tipo de partido, implica necessariamente divisão de poder e em ceder para parceiros. Isso pode se dar por inúmeros meios, desde pelo acesso a recursos, a políticas específicas, cargos. O problema não é que se troque algo. O problema é chegar a um consenso entre atores que não sabem o que querem claramente. Essa é minha sensação em relação ao governo Temer. Como esses partidos não defendem ideias claras, o que se troca é etéreo.

DW: Essa troca, quando não norteada pela transparência e princípios públicos, abre brechas para a “pequena política”?

AF: A política pequena não precisaria ser o modus operandi do negócio. Num espectro partidário menor, com ideias mais claras, você trabalha em cima de políticas em vez de fazer a coisa no varejo. Se você aumenta muito o número de atores, complica tanto a situação que inevitavelmente vai cair na política pequena. Podem ser concessões específicas, como a isenção fiscal para o fulano X, uma política que está longe de objetivos maiores. E pode, inclusive, ser em prol de benefícios privados, que é o pior dos mundos.

DW: Neste processo de fragmentação partidária, os líderes parecem ter perdido importância. Isso dificulta a negociação com as bancadas para aprovar leis no Congresso?

AF: Os recursos nas mãos dos líderes são finitos, cargos em comissão, financiamento eleitoral, etc. Quando você tem um número menor de partidos, o bolo de recursos para dividir é maior. Quando você aumenta muito a fragmentação, você diminui o tamanho do bolo a ser distribuído e com isso cresce o número de insatisfeitos. Com um leque tão grande de opções, e partidos novos bem mais frouxos, os insatisfeitos vão para um novo partido e isso enfraquece os líderes. Isso não significa que os líderes não tenham nenhum poder. Eles têm, são responsáveis pelas negociações. A diferença é que o insatisfeito pode sair do partido e ir para outro. E isso diminui o poder de disciplinar o parlamentar.

DW: Significa que é mais difícil controlar o voto na bancada?

AF: Os partidos ainda são razoavelmente disciplinados, do ponto de vista do voto. Mas, de fato, imagino que os líderes estão tendo muito mais trabalho para costurar as decisões do que tinham anteriormente, em especial pela fragmentação. Mas não só isso. Tem a ver também com a liberdade que ocorreu no período do Eduardo Cunha (ex-presidente da Câmara, preso na Operação Lava Jato). Ele organizou muito mais negociações com os indivíduos do que com os partidos.

DW: A sucessão na Câmara revelou a divisão também do Centrão, que se enfraquece. O governo Temer está “domesticando” o Centrão?

AF: Acho que o Centrão nunca teve essa força toda. Partidos menores no Legislativo e deputados, individualmente, têm muito pouco poder, a não ser que alguém os empodere. O Centrão só merecia alguma atenção quando o Eduardo Cunha o empoderava. Esse grupo não tem liderança própria capaz de conduzi-lo como um ator único.

DW: O governo Temer aposta no relativo sucesso da sucessão do Congresso para aprovar a pauta econômica que lhe interessa, em especial a reforma da Previdência. Qual sua expectativa?

AF: O governo precisa de um aliado na presidência da Câmara para conduzir a votação da reforma da Previdência, mas terá muita dificuldade. Vai ter que negociar muito e provavelmente abrir mão de pontos. Mesmo se o Rodrigo Maia (atual presidente da Câmara, do DEM) ganhar, Temer terá problemas. Já foi muito difícil para o governo Fernando Henrique, que tinha toda legitimidade, por ter sido eleito, e tinha uma coalizão com poucos atores e razoavelmente coesa.

A idade mínima (para aposentadoria) no Brasil nunca foi aceita, e há um argumento muito razoável para não se aceitar isso, que é a idade com a qual as pessoas começam a trabalhar. Uma reforma que afeta toda a população brasileira necessariamente terá grande dificuldade de votação. Os termos propostos são muito radicais se comparados às regras que temos hoje.

Acontecerá no Congresso uma grande negociação. Que a reforma da Previdência do governo Temer não vai sair do jeito que eles estão propondo isso eu tenho certeza absoluta. Vai ter que ceder. Não consigo imaginar que permaneça a idade mínima de 65 anos.

DW: O Brasil tem 27 partidos em funcionamento no Congresso, 35 registrados, 56 em processo de criação. Há alguma saída para que o Brasil possa reduzir o grau de fragmentação?

 AF: O número de partidos registrados, na verdade, importa pouco. Falo isso para mostrar que vejo alguma esperança. Importa mais a maneira como você vai distribuir os recursos, se você vai distribuir só para os partidos que tenham votos ou para todos que estão inscritos. Se você distribui só para os partidos que têm votos, você diminui os incentivos para que se criem novos partidos. Para isso não precisa de nenhuma grande reforma política. As medidas já aprovadas no Senado dariam conta disso.

Mas a reforma política aprovada no Senado, a cláusula de barreira, é emenda constitucional, precisaria de maioria qualificada para aprová-la (257 votos).

Para modificar a divisão dos recursos do fundo partidário e do horário eleitoral gratuito precisa só de lei ordinária. Dá para fazer de um jeito mais fácil que emenda constitucional, e teria um efeito parecido. O problema não é o número de pessoas necessário para votar. É o contexto e a confusão desta crise que está aí, que não passa, que não se resolve. Se tivéssemos um presidente com a clareza das ideias que ele defende, alguém razoavelmente articulado e forte… O Temer é articulado, mas se tivesse mais clareza e um pouquinho mais de carisma ajudaria bastante.

DW: Clareza de projeto político?

AF: Exatamente. Quando você tem clareza do projeto político a negociação é muito mais simples. Você sabe o que está defendendo. Quando você senta à mesa, as pessoas sabem até  onde você pode ir, até onde você vai ceder. A falta de clareza impacta muito na capacidade de liderança. Não vejo nenhum plano desenhado neste governo.

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